Capítulo 16

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Na quarta-feira de manhã, tudo parece dar errado. Apesar de ter dormido muito bem, tive pouquíssimas horas de sono e, por isso, quando o meu celular desperta, decido me dar cinco minutinhos; esses cinco minutinhos, porém, se tornam quinze, e eu acordo atrasada. Consigo me arrastar para o chuveiro, e todo o meu corpo dói, sensível. Quando me olho no espelho, consigo ver o estrago com mais clareza: há olheiras escuras sob os meus olhos, denunciando a privação de sono, meu rosto está vermelho em diferentes pontos, alguns vasos de sangue estourados, e os dedos dele estão impressos no meu pescoço. Também tenho marca de mordidas nos meus ombros, e sei que isso aconteceu, muito provavelmente, em algum momento entre o banheiro e a sala. Estremeço quando penso no que fizemos há algumas horas atrás nesse mesmo cômodo.

Com muita dificuldade, consigo passar uma escova nos meus cabelos, sentindo o meu couro cabeludo doer. Ele ultrapassou todos os limites, e eu sequer tive forças para protestar, porque eu gostei. Até demais, penso, enquanto cubro as olheiras e os pontos vermelhos no meu rosto. Ainda sinto raiva de mim mesma por ter cedido, mas sei que isso nunca voltará a acontecer. Apesar de ter sido o melhor sexo que tive em anos e, ouso dizer, talvez na vida toda, ele é tudo o que eu não posso querer. Mentalmente, tento elencar os motivos pelos quais não posso, de modo algum, me envolver com ele: violento, controlador e, muito provavelmente, é responsável pela morte de um adolescente. Ele pensa e age na contramão de tudo o que acredito.

Agora que livrei de toda a tensão sexual entre nós, consigo, finalmente, pensar com clareza; confirmei minhas hipóteses: era atração física. Mesmo que eu o veja hoje, vou agir de forma profissional, como sempre, mas, dessa vez, não haverá toda aquela tensão. Quando vou me vestir, sinto ainda mais raiva por ter que usar manga longa e gola alta, uma combinação que, no calor do Rio de Janeiro, é impensável. Meus músculos doem e, por esse motivo, levo o dobro do tempo que, geralmente, gasto para me arrumar.

Saio de casa às pressas; apesar de não haver tanto trânsito, fico acima do limite de velocidade na maior parte do trajeto e, ainda sim, consigo chegar com dez minutos de atraso na sede do BOPE, em Laranjeiras. Desço do carro desajeitada, minhas pernas pesadas, e, quando chego ao miniauditório, todos já estão à minha espera. Inclusive ele. Nascimento anda, de um lado para o outro, os braços cruzados, enquanto conversa com o tenente, que o acompanha. Quando ele me vê, para. Lembranças do que fizemos há poucas horas me invadem.

— Você deveria honrar seus compromissos profissionais, doutora. — Diz, firme, se aproximando de mim. Filho da puta. Ele corre os olhos pela manga da minha blusa, sabendo que ele é o responsável por isso, mas não diz nada. — Dez minutos de atraso para o meu batalhão é muito. 

Meu rosto queima de constrangimento, porque quem está sentado nas fileiras da frente consegue ouvi-lo perfeitamente. Vê-lo me descredibilizar na frente dos seus colegas de farda é humilhante. 

— Trânsito. Desculpem. — Digo, tentando disfarçar o constrangimento na minha voz, mais para quem ouve do que para ele. 

Ele acena com a cabeça e, ao longo das próximas duas horas, não se dirige mais a mim. Durante alguns momentos da minha fala, eu o pego me observando, impassível. Agradeço por essa formação estar quase no fim, porque lidar com ele é estressante em todos os sentidos: pessoal e profissional. Ao fim da formação, saio às pressas, aproveitando que ele está conversando com o tenente, quase tropeçando ao descer do tablado.

Na parte da tarde, na Defensoria Pública, resolvo pendências burocráticas. Quando termino, vasculho, mais uma vez, as redes sociais à procura do namorado da minha assistida, Luísa, que fora presa no Galeão; ela ainda continua detida sob a acusação de tráfico internacional de drogas. Após a audiência de custódia, o MP a acusou formalmente, e o juiz deu início ao processo penal. O próximo passo, agora, é responder à acusação; apresentaremos sua versão dos fatos. O problema, porém, é que encontrar o tal namorado é um trabalho investigativo, que deveria ser feito pela Polícia Federal, que a prendeu, mas eles não parecem acreditar na história dela. Por isso, por conta própria, estou revirando todas as redes sociais, mas não tenho sucesso. Ela me deu um endereço, também, mas ainda não tive tempo hábil para checar.

Depois disso, estudo o caso dela; ela fora encontrada com 8kg de cocaína. Não vai ser nada fácil. Eu acredito na história dela, porém. Ela estava indo para Portugal com visto de estudante para fazer mestrado. Por que ela colocaria tudo isso em risco? Grifo alguns papéis e consulto a jurisprudência, pensando em pedir a ajuda de Leonardo. Ele é juiz federal, tem contatos na Polícia Federal e pode pedir que algum conhecido investigue isso internamente. Afasto a ideia, porém, porque não quero sentir que estou em dívida com ele, e continuo a trabalhar no processo. 

Ao longo da tarde, fico inquieta: todos os músculos do meu corpo doem e, além disso, o ar-condicionado da minha sala está quebrado há uma semana, o que faz com que eu quase desmaie de calor, principalmente porque estou de gola alta e manga longa. Subo de forma improvisada as mangas, enrolando-as em torno do antebraço, e olho para os meus pulsos vermelhos, pensando na noite passada. Estremeço ao me lembrar dele. Com raiva, afasto qualquer pensamento relacionado a esse homem. 

Pensar nele é um mau presságio porque, depois de cinco minutos, enquanto estou absorta nos papéis, o meu celular notifica. Eu leio a mensagem: "Por que foi embora às pressas? Fugindo de alguém?", diz. Eu o ignoro, bloqueando o aparelho e voltando minha concentração aos papéis a minha frente. Minha cabeça lateja pelo restante da tarde. 

Às seis, saio da Defensoria Pública. Quando entro no carro, afivelo o cinto de segurança e saio da vaga, atenta aos retrovisores. O caminho até Botafogo, mesmo curto, leva o dobro do tempo habitual devido ao horário de pico, e, quando paro em um sinaleiro, pisco os meus olhos repetidamente, prestes a dormir ao volante, reflexo da privação de sono. Estou exausta. Olho nos retrovisores e, quando o sinal se abre, um motoqueiro me corta pela direita, a toda velocidade. Eu dou uma buzinada, querendo xingá-lo, e ele apenas olha por sobre os ombros, a viseira do capacete escura. Respiro, tentando manter a calma até chegar em casa.

Uma vez em casa, respondo a algumas mensagens. Falo com minha mãe. Com Jordana. Respondo Vicente, que pergunta se tenho planos para o fim de semana — minto, dizendo que sim. Tomo banho, observando a água quente cair sobre a minha pele e, depois, enquanto retiro a maquiagem, vendo os pontos vermelhos na minha pele, choro de raiva. Estou bem resolvida quanto a isso: nós transamos e foi melhor do que eu poderia imaginar. Ele me machucou, e foi consensual. Eu gostei. O problema, porém, é saber que, no fundo, eu quero mais.

Depois de jantar, mesmo sem fome, observo o apartamento, que está da mesma forma que deixei quando saí hoje cedo. Minha sala de estar está uma bagunça, as almofadas espalhadas sobre o chão, reflexo do que aconteceu essa madrugada. Eu lavo a louça e, depois, organizo a confusão na sala. Sem forças para fazer qualquer outra coisa, vou para a cama. Nesse momento, porém, mesmo cansada, não consigo dormir. Agora, sozinha, não consigo não pensar nele. Ele descobriu o meu endereço, o meu número de telefone, ficou sabe-se lá quantas noites em frente ao meu prédio e, ontem, não quis me beijar. Ele evitou isso a todo custo. É irônico, até. Ele fez questão de me comer olhando nos meus olhos, mas não me beijou. Depois de algum tempo fritando na cama pensando nele, consigo, enfim, dormir o sono dos justos.

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Oi, amores. Tive uma dor de cabeça muito, muito ruim durante o dia todo. Prometi liberar dois capítulos hoje, mas não consegui finalizar o processo de revisão do capítulo 17, por isso, prometo postá-lo amanhã com o capítulo 18. Obrigada por tudo.

Um beijo da Giu.

As duas faces da justiçaOnde histórias criam vida. Descubra agora