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Kara

Apesar de ter me acertado com Lena e da companhia das crianças, durante todo dia revivi o momento em que o possível causador da morte dos meus pais me tirou do carro e me colocou no chão frio e molhado. Essa imagem tem rondado a minha cabeça e me pertubado. Estive longe desse looping de revisitação ao passado nos últimos anos e me incomoda não saber o que motivou essas lembranças voltarem.

Com essa lembrança, penso que se eu tivesse prestado atenção na pessoa, eu teria conseguido fazer um retrato falado e o caso dos meus pais teria um fim. Com esse fim, eu teria conseguido viver melhor os últimos anos. Mas os olhos azuis e amedrontados são tudo que me lembro antes de apagar por três dias.

É por saber que esse ponto final sobre meus pais talvez nunca chegue que quero me despedir deles. Preciso fazer isso por mim. Preciso seguir em frente sem culpa e sem medo de perder tudo que amo. Pretendo construir um futuro ao lado de Lena e das crianças e não posso fazer isso se o trágico episódio continuar me fazendo querer fugir de tudo e de todos.

Como combinado, Lena, as crianças e eu estamos vendo um filme. Não estou prestando muita atenção, já que me concentrar em qualquer coisa que não seja na minha dor tem sido muito difícil. Mesmo assim, entre os sentimentos conflituosos, existe uma pontinha de felicidade por estar aqui com as três.

Se estou dispersa do filme, quando olho para Lena, que está sentada ao meu lado, ela parece muito mais.

— Está tudo bem? — sussurro em seu ouvido.

— Só estou com um pouco de dor de cabeça.

— Quer que eu pegue um remédio pra você?

Ela nega com a cabeça e logo me encara.

— Não precisa, meu amor. Acho que vou para o quarto, tá bom? Aproveita o filme com as crianças.

Lena me dá um beijo rápido e faz o mesmo com Lori e Lizzie, desejando boa noite para elas.

Não entendi direito o que Lena foi resolver mais cedo, mas acho que isso mexeu muito com ela, ainda que ela tente não demonstrar isso. Desde que comecei a trabalhar aqui, muito antes de ter qualquer interesse por Lena, percebi que ela tenta de todas as formas não demonstrar as suas fragilidades, principalmente diante das filhas.

Espero que por causa do jeito que agi nos últimos dias não impeça Lena de me contar qualquer coisa ou de ser vulnerável comigo. Se ela quiser me dizer o que aconteceu mais cedo, estarei pronta para ouvir.

Continuo com as crianças na sala vendo o filme. Lori me obriga a prestar atenção já que ela adora fazer comentários enquanto assiste e Lizzie, com quem ela estava conversando, apagou antes do fim.

Quando finalmente coloco as crianças na cama, vou para o quarto de Lena e a encontro sentada na beirada da cama, encarando um ponto fixo no chão e mexendo no pingente do colar que dei a ela.

— Está melhor? — pergunto, fechando a porta atrás de mim.

— Hum? — Ela me olha desentendida.

— Você disse que estava com dor de cabeça.

— Ah, é... eu... eu tomei um remédio, já vai passar. As crianças já dormiram?

— Lizzie apagou antes do filme acabar e Lori já parecia estar com sono.

— Obrigada por colocar elas na cama.

— Gosto de fazer isso. Poderia fazer isso a vida inteira. — Lena me dá um sorriso fraco. Me aproximo dela e me ajoelho na sua frente. — Está tudo bem?

What You Mean To MeOnde histórias criam vida. Descubra agora