Capítulo 23 - Impasses

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No instante em que fechou a porta atrás de si, o Sr. Aberforth Dumbledore voltou-se para me lançar um olhar estarrecido. Estava claro que não entendia o que poderia ter me levado a procurar abrigo em seu estabelecimento. Eu obviamente poderia ter tentado adentrar a escola pelo mesmo local por onde saí: a caverna. Todavia, as chances de me deparar com alguma surpresa ao longo do caminho eram enormes, ao passo que pelo Cabeça de Javali eu tinha certeza de que seria menos arriscado.
Sr. Aberforth não parou de me encarar, tampouco falou alguma coisa. Era claro que esperava alguma explicação. Notando que de fato eu lhe devia ao menos um esclarecimento sobre o motivo de estar ali, apressei-me em falar:
— Olá, Sr. Dumbledore – sussurrei. – O senhor não deve me conhecer... Sou Gabriella. Gabriella...
— Dumbledore, não é mesmo? – retrucou, cortando-me. Balbuciei, gaguejei, mas não consegui falar. No meio de tantos acontecimentos, esqueci por completo da mentira que vinha sustentando. E logo com quem? Um membro de uma família da qual eu jurava pertencer. Mal consegui pensar no que dizer a seguir. – Não é isso o que você diz por aí? Que é parte de minha família?
Engoli a seco, desconfortável. Não havia me preparado para uma situação como essa. Nem sequer me ocorreu que isso poderia acontecer!
— Não é como o senhor está pensando – justifiquei. Certamente não era a coisa mais inteligente a ser dita, mas não consegui pensar em nada. – O que...
— Ah, não é? – retrucou. – Então meu irmão te deu uma tarefa fácil e com instruções muito claras, não é mesmo? Sei que isso é coisa dele. – Percebi uma semelhança no discurso; era muito similar ao que ele daria a Harry quando se encontrassem logo mais.
— Poupe suas palavras, Sr. Dumbledore – pedi gentilmente. – Elas são para outra pessoa e o senhor sabe disso. Seu irmão não me deu instruções muito claras, é verdade, mas há uma boa razão. E a ideia de dizer que sou da família foi para me proteger...
— Proteger? – ecoou.
— Sim – concordei com um aceno de cabeça. – Sou nascida trouxa. Sem isso, eu não poderia ter retornado a Hogwarts.
— Talvez não devesse – rebateu.
— Eu precisava – respondi categoricamente. – Assim como preciso retornar agora e é por isso que vim procurá-lo, senhor. – Ele não disse nada; só balançou a cabeça de um lado para o outro, inconformado com o que ouviu. Dava para ver que considerava o maior dos disparates. Essa foi a razão pela qual senti a necessidade de dizer algo mais. – Peço mil desculpas. Imagino que não deve ter gostado nada da mentira envolvendo o nome de sua família. Não foi minha intenção... ser inconveniente. Foi ideia dele, como o senhor sabe e, bem, eu só soube quando já era tarde demais. Ou usava isso a meu favor ou teria que tentar fazer as coisas de outra maneira. De qualquer forma, peço desculpas.
Aberforth resmungou algumas palavras que não consegui entender direito e logo em seguida falou com sua falecida irmã – ou melhor, com o quadro dela. Era o quadro que servia de passagem para Hogwarts. A contragosto ou não, ele estava me ajudando.
Durante um instante, desliguei-me da realidade que me cercava e deixei meus pensamentos soltos, tentando pensar no que fazer a seguir de modo a ganhar tempo. Imaginei qual o cenário com o qual me depararia ao chegar a Hogwarts e tentei direcionar minhas ações. Não consegui pensar a respeito durante muito tempo, pois logo a passagem estava aberta, me convidando a entrar. Notei que era hora de me mexer.
— Aí está – resmungou Sr. Dumbledore. – Como você quer. A passagem está aberta.
— Muito obrigada, Sr. Dumbledore – agradeci de coração. – Muito obrigada mesmo.
— Espero que saiba no que está se metendo, senhorita.
Direcionei a ele um sorriso amarelo.
— É, eu sei – disse. – Há um punhado de coisas que preferiria estar fazendo, mas sei que não tenho opção.
Ele balançou a cabeça de um lado para o outro, inconformado, mas nada disse.
— Boa sorte.
— Obrigada, Sr. Dumbledore – repeti, já caminhando em direção à passagem.

Sem mais, iniciei minha caminhada e o quadro tornou a bloquear a passagem. Respirei fundo, brandindo a varinha e me preparando para a aventura que me esperava à frente. Meu coração estava apertado em meu peito e eu sabia muito bem o motivo, embora tentasse de todas as formas não pensar a respeito. Entretanto, havia uma voz em meu subconsciente, clamando e insistindo, requisitando atenção. Enquanto caminhava a passos rápidos, o único som que ouvia era o ruído causado pelos meus próprios passos. A voz da consciência insistia em tentar ser ouvida, mas eu não queria ouvir, não queria pensar a respeito. Isto porque estava cada vez mais próxima do fim, cada minuto mais próxima dos maiores impasses que eu poderia enfrentar. Os impasses que ignoro desde o momento em que recebi a carta de Hogwarts. Aqueles dilemas que qualquer Potterhead* com certeza conhece muito bem. No começo, tudo foram flores e maravilhas. Eu iria, afinal, estudar magia de verdade junto de pessoas que até então eram apenas personagens de uma história pela qual sou apaixonada desde que era muito nova. Era como o paraíso só de pensar em interagir com algumas das pessoas que mais admiro. Recebi a oportunidade como a chance singular de realizar o que, para muitos trouxas que conheço, era um sonho que nunca se realizaria e nada mais. Não pensei duas vezes antes de largar o meu mundo todo para trás e começar do zero num lugar que sempre vi como... espetacular. Larguei família, amigos, escola e até mesmo muitos de meus gostos para trás. Abismada, tentei me lembrar de como eram aqueles dias, todo aquele calor da emoção. Impressionei-me com o quanto consegui prolongar até finalmente encarar que estava entrando numa guerra, numa grande batalha. Enquanto andava ao longo daquela passagem mal escura, pensava nisso tudo. Constatei que aGabriella que caminhava ali, em direção ao que poderia ser a batalha final da grande guerra não era a mesma Gabriella que costumava sentar com as amigas no intervalo entre uma aula e outra, e rir, conversar, ouvindo McFLY, Green Day e outras bandas, falando sobre o livro e filme favorito (Harry Potter, óbvio) ou sobre outros livros, filmes e séries... Quase não consegui encontrar aquela Gabriella dentro de mim. Muito pouco restara. Isso me entristeceu e mais uma vez os impasses que estavam por vir tentaram emergir. Relutei o quanto pude, pois não podia me dar ao luxo de me preocupar com isso agora. Não resolveria nada, pois sabia muito bem que não podia interferir na história e mudar o rumo das coisas. Mas será que, mesmo sabendo que eu podia ter mudado a situação, conseguiria assistir aos meus amigos morrerem? Pensei em Dumbledore. Com ele consegui. Eu sabia, mas não fiz nada para interferir. Porém, minha consciência não me deixava mentir, pois sabia muito bem que Dumbledore morreria de qualquer forma dentro de um mês, e que o assassinato dele foi decisivo em muita coisa. Salvou vidas, proveu poderes a Harry, sem os quais ele provavelmente não conseguiria derrotar o Lorde das Trevas. Mas e quanto aos outros? Se eu impedisse, teriam toda uma vida pela frente, uma vez que suas mortes foram casualidades de uma guerra. Será que faria tão mal assim interferir?

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