Conflito

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No hospital, a tensão no ar era quase palpável. Eu estava ao lado de Júlia, observando cada movimento dos médicos, cada beep dos aparelhos. Era como se o mundo inteiro tivesse parado, e a única coisa que importava era ela.

Os pais de Júlia chegaram pouco depois. O rosto da mãe dela estava pálido de preocupação, enquanto o pai, tão autoritário, parecia um homem quebrado. Eles estavam visivelmente nervosos, e eu sabia que a situação estava prestes a pior.

– Capitão Nascimento! – o pai dela gritou, avançando em minha direção. – Isso é culpa sua! Você colocou minha filha nessa situação!

– Senhor, por favor, vamos ter calma. Vamos conversar – disse, tentando manter a calma enquanto ele se aproximava.

– Conversar? Minha filha está entre a vida e a morte e tu quer conversar? – ele retrucou, tentando me empurrar.

Matias interveio, colocando-se entre nós.

– Senhor, estamos todos preocupados com a sua filha. Precisamos manter a calma para poder ajudá-la – disse Matias, a voz firme.

A mãe de Júlia segurou o marido, tentando acalmá-lo.

– Carlos, por favor, não é hora disso. Precisamos ser fortes pela Júlia – ela disse, a voz trêmula.

O pai respirou fundo, mas ainda estava visivelmente agitado. Virei-me para ele, tentando apelar para sua razão.

– Eu entendo sua dor, senhor. A Júlia tem sido muito importante para mim também. Estou fazendo tudo o que posso para ajudar ela. Vamos trabalhar juntos para garantir que ela receba os cuidados que precisa – disse, olhando diretamente em seus olhos.

A mãe de Júlia finalmente conseguiu acalmar o marido, que recuou um pouco, ainda tremendo de raiva e preocupação.

– Quero ficar com ela. Por favor, deixa eu ficar com minha filha – a mãe de Júlia pediu, olhando para mim com olhos suplicantes.

– Senhora, entendo sua preocupação, mas não eu não consigo sair de perto dela – respondi, tentando ser firme.

– Ela é minha filha! Eu preciso estar com ela – insistiu a mãe de Júlia, a voz quebrada de desespero.

Antes que eu pudesse responder, Matias interveio novamente.

– Nascimento, talvez seja melhor deixarmos a mãe dela ficar por um tempo. Ela precisa do apoio da família agora – sugeriu, com um olhar de compreensão.

Relutante, assenti.

– Tudo bem. Pode ficar com ela – disse, sentindo um alívio temporário.

Depois de muita insistência, finalmente concordei em deixar o hospital. Saí, meu coração pesado, e dirigi até o batalhão.

No batalhão, encontrei Peçanha e Neto, meu velho amigo. A tensão no ar era tremenda, e eu sabia que teria que enfrentar outra batalha ali.

– Nascimento, onde você estava? Precisamos de você na operação no Cantagalo, a situação lá tá foda. – Peçanha começou, a voz áspera.

– Estava no hospital. Ela foi gravemente ferida e está entre a vida e a morte – respondi, tentando manter a compostura.

Peçanha olhou para mim com desdém.

– Não podemos nos dar ao luxo de perder você agora, Nascimento. A missão é prioridade. Volte ao trabalho imediatamente – ele ordenou.

Respirei fundo, sabendo que essa era uma decisão que mudaria tudo.

– Coronel, preciso falar com o senhor em particular – disse, mantendo a voz firme.

Peçanha arqueou uma sobrancelha, mas assentiu. Fomos para uma sala isolada, onde pude falar com mais liberdade.

– Coronel, eu preciso de um afastamento – anunciei, a voz decidida.

– Afastamento? Você está louco, Nascimento? Estamos no meio de uma operação crítica. Não é hora para isso – ele retrucou, claramente irritado.

– Eu sei da importância da operação, senhor. Mas a situação com Júlia é extremamente grave. Eu não posso continuar no trabalho sabendo que ela está lutando pela vida. Preciso estar ao lado dela – expliquei, mantendo o olhar firme.

Peçanha bufou, passando a mão pelo rosto.

– Você está se deixando levar pelas emoções, Nascimento. Já disse antes, isso é um sinal de fraqueza. Nós temos um dever a cumprir, e você sabe disso melhor do que ninguém – ele argumentou. - Além do mais, quem mandou você se meter com uma garota da favela? Fui eu por acaso - Ele completou ríspido.

Nesse momento, Neto entrou na sala, percebendo a tensão no ar.

– O que está acontecendo aqui? – perguntou Neto, olhando de Peçanha para mim.

– Nascimento aqui está pedindo afastamento no meio de uma operação importante – respondeu Peçanha, com sarcasmo.

Neto olhou para mim, os olhos cheios de compreensão.

– Nascimento, você tem certeza disso? Sabe o que isso significa para sua carreira? – ele perguntou, a voz calma.

– Tenho, Neto. Mas essa é a decisão certa para mim agora. Não posso deixar Júlia sozinha nesse momento – respondi, determinado.

Neto assentiu lentamente.

– Peçanha, talvez devêssemos considerar isso. Nascimento sempre deu tudo pelo BOPE. Se ele precisa de um tempo agora, devemos respeitar isso – sugeriu Neto.

Peçanha suspirou, claramente contrariado, mas parecia entender a gravidade da situação.

– Tudo bem, Nascimento. Vou conceder seu afastamento, mas saiba que isso pode afetar sua carreira no longo prazo. Não podemos perder bons homens por causa de questões pessoais – ele disse, relutante.

– Entendo, Coronel. Agradeço por isso. Prometo que voltarei assim que possível – respondi, aliviado.

Com isso, saí do batalhão, a cabeça cheia de pensamentos e incertezas, tomar essa decisão me doía muito. Dirigi de volta ao hospital, determinado a estar ao lado de Júlia em cada passo. Sabia que a estrada à frente seria difícil, mas estava disposto a enfrentar qualquer desafio para vê-la se recuperar.

Ao chegar ao hospital, encontrei a mãe de Júlia ao lado da cama dela, segurando sua mão. A cena me trouxe um pouco de conforto, sabendo que Júlia não estava sozinha.

– Como ela está? – perguntei, aproximando-me.

– Está estável, mas ainda precisa de muito cuidado. Você deveria ir para casa descansar um pouco. Não adianta ficar aqui exausto – ela disse, a voz suave.

Relutante, assenti. Sabia que ela estava certa. Precisava estar descansado para continuar ajudando Júlia.

– Vou para casa por algumas horas. Qualquer coisa, me ligue imediatamente – disse, pegando minha chave.

Antes de sair, passei minha mão pelo cabelo de Júlia e desejei sentir o cheiro de jardim florido que só ela tinha, beijei sua testa e sai.

Ao chegar em casa, a solidão e o silêncio pesaram sobre mim. Entrei no banheiro e liguei o chuveiro, deixando a água quente cair sobre mim. Era como se a água estivesse tentando lavar todo o medo e a dor, mas sabia que isso não seria suficiente.

De repente, as lágrimas começaram a cair. Senti a dor da impotência, a angústia de não saber o que fazer. Chorava pela mulher que estou apaixonado, pela incerteza do futuro, pela dor que parecia não ter fim.

Fiquei ali por um longo tempo, deixando a água misturar-se com minhas lágrimas, tentando encontrar a força para continuar. Sabia que, apesar de tudo, precisava ser forte. Por Júlia, por mim, e por tudo que ainda estava por vir.

Laços Invisíveis | capitão nascimentoOnde histórias criam vida. Descubra agora