Hiperfoco. Ele é o culpado por eu trabalhar o tempo inteiro. Escolhi ser professora de Língua Portuguesa por um empurrãozinho do destino e por obediência e mal sabia que isso definiria todo o meu ser.
O empurrãozinho foi a professora do pré - nome dado ao último ano da atual Educação Infantil, quando as crianças, aos 6 anos de idade, aprendiam a parar de comer terra, os números e as letras que possibilitavam as primeiras palavras.
Se você está lendo na frequência mesma com que escrevo sabe que comecei a ler entre 3 e 4 anos (se não, está esperando o quê?), então já pode imaginar o quanto eu amava ir para a escola. Só que não! Por isso a professora pediu que eu ajudasse um colega a escrever o próprio nome. Eu fiz isso. Deu certo. E eu amei! Ali, na tenra idade, cercada de tartarugas, morangos, rúculas e cadernos de caligrafia, meu destino foi selado: professora!
Aí eu cresci e resolvi que queria fazer Física.
- Alice, Física só vai permitir que você dê aulas.
- É a intenção, mãe.
- Escolhe outra coisa, para o caso de você não querer dar aula.
- Mas eu quero!
- Quer agora, depois de entrar em sala de aula, se quiser mudar de ideia não poderá.
Passei a pensar em Matemática, o argumento foi o mesmo. Tive a síncope da Pedagogia, mas passou. Decidi, então, prestar para Terapia Ocupacional na UFSCar. Fui aprovada, porém não tive condições financeiras de estudar tão longe e em período integral. Desisti compulsoriamente.
- Você sempre escreveu tão bem, filha, vai fazer Comunicação ou Letras, assim pode ser mais do que professora.
E lá fui eu fazer Letras até adoecer profundamente devido ao estresse e às variações de temperatura. Parei. Fiz alguns cursinhos em diferentes áreas, até voltar para a faculdade. Letras? Comunicação Social!
Apresentação de trabalho final do primeiro ano, dois professores avaliando, oitenta alunos da minha turma, convidados e meus pais. Na hora da arguição, eis que o professor afirma, categoricamente:
- A Alice não vai ser jornalista nem publicitária. Ela é professora.
Pois é, mãe... voltei para Letras. O problema é que a partir do primeiro momento em sala de aula, não fui mais capaz de sair. Ou melhor, não consegui tirar a sala de aula de mim. Em cada filme, cada série e cada livro com que eu tenha contato meu cérebro entra em modo docente e começo a relacionar a alguma época literária, algum autor ou livro cânone ou imagino como tema de redação.
Problema: - porque até aqui tudo estava plausivelmente normal - o maior e mais longínquo hiperfoco é leitura. Inaceitável dormir sem ler (ou poderia dizer impossível). Com isso, o trabalho faz parte da minha vida vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. Às vezes, ainda penso em determinados alunos que têm certos interesses específicos e talvez gostem de um livro, ou possam entender melhor algo que eu falei assistindo a um filme ou a uma série.
Tem um lado bom esse hiperfoco: estou terminando a segunda graduação e fiz nove especializações, além de dois a três cursos por ano há cerca de 15 anos. Mas você consegue se imaginar nessa rotina de trabalho e estudo? Pois então, eu nem tenho tempo de parar para imaginar, aliás, tem alguns livros que falam sobre isso...
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O cativante universo de Alice
कथेतर साहित्यAos 39 anos descobrir que é autista não é algo muito feliz, principalmente quando passou todo esse tempo tentando se encaixar e tendo plena consciência de ser diferente, mas sem saber o motivo.