A ansiedade de Alice é algo impressionante! Um dia antes da primeira avaliação com a especialista em autismo, ela chorou desesperadamente.
- Alice, por que isso?
- Porque e se ela disser que eu não sou autista?
- Um tanto melhor, não?
- Sim, mas não! Agora muitas coisas da minha vida toda fazem sentido e se ela disser que está tudo errado?
- Você quer se encaixar, eu sei, mas vai ficar tudo bem.
- Murilo, não! É que agora eu já me aceitei e eu sei que tem alguma coisa errada comigo...
- Não tem nada de errado com você, meu amor!
- Tem! Eu sou estranha, diferente e tudo bem, porque eu sou autista, mas e se eu não for?
- Qual o problema?
- Eu demorei para aceitar e entender, mas se for outra coisa que faz com que eu seja esquisita? Vai começar tudo de novo.
- Tudo bem. A gente começa tudo de novo.
- Murilo, você não está entendendo o que estou sentindo.
- Então me explica!
- Eu não consigo! Eu sou autista, caramba!Corta para o dia seguinte. Dia da sessão. Alice foi trabalhar, mas tomou um calmante só para garantir. O dia se arrastou até o horário do almoço quando, finalmente, ela foi para a consulta. Enxaqueca, enjoo, tremor e visão embaçada a acompanharam, além do marido.
A neuropsicóloga perguntou tanta coisa e Alice apenas conseguia pensar em resumir as respostas porque o espaço que a médica tinha para escrever parecia pequeno. Ah! Claro! Como professora, a curiosidade para saber se estava um texto consoante a Gramática Normativa também a desconcentrava um pouco.
Livro numa mão, a outra agarrada à de Murilo, Alice mergulhava em memórias a cada pergunta e as palavras se bagunçavam na saída. Vinha o pensamento, mas a língua não obedecia e a cabeça latejava, bem como os ouvidos. Ainda bem que Murilo a ajudou a responder diretamente algumas coisas. Inclusive, quando a moça ficou muda, o seu herói veio ao resgate.
- Como é sua inteligência, Alice?
- ...
- É de dar orgulho, sabe! Pede um dia para ela dar aula de Literatura para a senhora ver. Ela arrasa!
- Mas e fora do foco?
- Ela é boa também. Difícil achar algo que ela não saiba ou não aprenda rapidamente.Várias perguntas depois, quando o casal estava no carro a caminho de casa, Alice confessa:
- Eu fiquei com vergonha quando ela perguntou sobre a minha inteligência.
- Você sempre fica...
Fato! Parece que hoje em dia pessoas inteligentes não querem demonstrar suas capacidades, enquanto pessoas desprovidas cognitivamente têm orgulho da arrogância. Fazer o quê, não é mesmo? Nem todo mundo nasceu com superpoderes...
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O cativante universo de Alice
Non-FictionAos 39 anos descobrir que é autista não é algo muito feliz, principalmente quando passou todo esse tempo tentando se encaixar e tendo plena consciência de ser diferente, mas sem saber o motivo.