Quem vê Alice entre os amigos ou no trabalho diz que ela é uma pessoa extrovertida, sociável, divertida, risonha, confiante e coisas afins. Mas não! Ela é extremamente tímida, não gosta de ficar em lugares com muitas pessoas, ainda que goste muito de todas, gosta de jogos de tabuleiro, mas prefere os que exigem certo silêncio, ama ficar sozinha lendo, pensa antes de rir em público - geralmente observa o entorno antes de fazê-lo.
A moça presta atenção aos assuntos e às reações alheias para saber o que é esperado e tem muita vergonha de decepcionar alguém com uma resposta inesperada. Várias vezes cria diálogos depois das situações tentando adivinhar como as pessoas responderiam. O nome disso é tortura psicológica autoinfligida!- Eu deveria ter falado o que eu pensei...
- Deveria, Alice, mas não falou, agora já passou.
- Enquanto eu ouvia, fiz várias conexões que eu não sei se a pessoa conhecia todos os detalhes.
- Você faz centenas de conexões, ninguém vai te acompanhar, nunca!
- E você pretende explicar tudo o tempo todo?
- Não, ninguém teria paciência para isso.
- Mas se eu não explicar, não saberão meus motivos.
- E seus motivos são completamente relevantes para qualquer pessoa?
- Não sei!
- Se você não sabe, quem saberia?
- Mas se eu não disser nada as pessoas podem continuar me magoando.
- E se você disser, pode magoar alguém.
- Eu não quero magoar as pessoas. Nem decepcioná-las!
- Quem falou em decepção?
- As pessoas esperam muito de mim, e se eu não conseguir?
- Só algumas.
- Você explica. Vai ficar tudo bem...
- Desculpe-me...
- P@#$%, Alice! Para! Ser boazinha é irritante!
- Deveriam ter vergonha por te tratar mal.
- Como eu tenho vergonha de falar o que penso e ferir alguém?
- Afff...
- Eu não sei ser de outro jeito!
- Fala o que você pensa, então! Quero só ver...
- Nem sempre é algo gentil.
- Mas não fica aí te enlouquecendo?
- Talvez...
- Sim!
- Não!
- Não sei.
- Às vezes...
- Que inferno de menina!
- Deveria ter falado. Como teria certeza da reação das pessoas?
- Só falando.
- Agora já foi, passou, perdeu mais uma oportunidade.
- Não, eu vou lá e digo que pensei melhor.
- Para de ser tonta! Não dá mais.
- Mas eu treinei para este momento.
- Com um script que ninguém mais conhece!
- É, as pessoas podem não responder como eu ensaiei. E eu ficarei sem saber o que fazer.
- Whatever...
- Então não adianta chorar pelo leite derramado.
- Mas tem tanto leite para ferver ainda.
- Já coalhou.
- Também virou doce de leite?
- Com queijo!
- ADORO!E essa conversa nunca foi sobre leite! Nem sobre as pessoas...
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O cativante universo de Alice
Non-FictionAos 39 anos descobrir que é autista não é algo muito feliz, principalmente quando passou todo esse tempo tentando se encaixar e tendo plena consciência de ser diferente, mas sem saber o motivo.