Ela não é amável? Quem disse isso?

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O relatório da neuropsicóloga caiu como uma bomba sobre a Alice. Muitas coisas que ela não imaginava sobre si mesma de repente estavam escritas e lançadas no cérebro para a festa do surto. A informação que mais a desestruturou foi o nível baixo de amabilidade.
Como assim Alice não era amável? Ela praticamente anulava toda e qualquer vontade própria em favor de - quase - qualquer pessoa! Alice tinha uma delicadeza ímpar para falar com todo mundo, mesmo quando as notícias não eram boas.
O aluno dorme durante a aula? Não! Ele aparenta cansaço mental e, por vezes, apresenta grande sonolência durante momentos de realização de tarefas, ficando recluso e não participando de maneira ativa.
A aluna não faz nada e atrapalha a aula? Imagina! Ela tem postura inadequada em alguns momentos, com atitudes que não condizem com sua capacidade cognitiva e distrai alguns colegas que não têm a mesma facilidade de compreensão dela.
O aluno é "burro"? JAMAIS! Ele tem dificuldades exacerbadas pela dificuldade de concentração, o que impossibilita a realização das atividades solicitadas.
A turma colou durante a prova online? Apenas fizeram algumas pesquisas indevidas que provocaram atraso na entrega da avaliação, uma vez que trabalho em grupo exige mais tempo do que individual dada a necessidade de discussão para um consenso.
Como alguém poderia dizer que este ser, de vocabulário vasto e lapidado, extremamente eufemístico, não é amável? Quem diria isso? Que humano teria essa coragem?
Depois de muita reflexão e autocobrança, eis que Alice percebeu... ELA disse isso. Aliás, as respostas dela aos inúmeros questionários disseram isso. Não foi ela diretamente, mas foi a Alice sincera, a autêntica, aquela que estava enclausurada durante todos esses anos sem laudo.
Quanto esforço ela percebeu ter feito a vida inteira para ser aceita, para tentar se encaixar num mundo que pensa e sente de maneira completamente diferente. E para quê? Ela pode ser educada e respeitosa sem ser amável e agradável com quem está ao seu redor. E tudo bem!
Ela não precisa ser a boba que faz tudo para ajudar todo mundo, que sofre quando diz não para alguma coisa. Ela pode dizer que gosta ou não de algo. Ela pode não querer algo. Ela pode respeitar seus limites (conforme for descobrindo cada um deles). E tudo bem!
Um rótulo, um relatório mudou a vida de Alice? Não, mudou apenas a forma como ela se enxerga no mundo e, principalmente, como ela deve interagir com ele. E está tudo bem! DE VERDADE! Mesmo que algumas vozes da cabeça dela gritem o contrário.

O cativante universo de AliceWhere stories live. Discover now