Quando se tem histórico de melhor aluna a vida toda, passa nos vestibulares em excelente colocação, é aprovada em 98% dos concursos prestados, tira nota máxima em todos os trabalhos de conclusão de cursos, ganha prêmios em todos os festivais, passa a impressão de que as conquistas são banais. As pessoas ficam acostumadas a dar os parabéns.
- Era lógico que você passaria neste concurso!
- Claro que você ganharia este prêmio.
- Nem adianta concorrer com você, Alice, você vai passar!
Era comum Alice ouvir essas frases da família e dos amigos mais antigos e próximos. Isso, porém, não lhe era incentivo, mas sim um grande desestimulante. Além, claro, de colocar uma pressão ainda maior sobre seus ombros todas as vezes em que resolvia competir de alguma forma. Uma pressão que ela já fazia muito bem sozinha, obrigada!
Por diversas vezes essa congratulação virou piada na família de Alice. Seu avô costuma cumprimentá-la com "Oi, filha, parabéns pelo que hoje?" sempre que a encontra. A avó pergunta "tem parabéns hoje?" e a madrinha, "o que você ganhou dessa vez?". Este é um dos poucos momentos que aquecem o coração, pois o que a garota mais quis - e continua querendo - é dar orgulho a eles e aos pais, então este reconhecimento é um acalento depois de tanta dedicação, mesmo que seja em tom de piada.
Cabe dizer que a madrinha tem alguma condição de neurodesenvolvimento nunca investigada, mas que é a causa de um atraso cognitivo e algumas dificuldades motoras e de comunicação - parece familiar?. Alice sempre foi muito apegada a ela e tenta facilitar ao máximo suas explicações para que ela consiga compreender as coisas mais complexas com as quais se depara. Uma dessas complexidades foi o autismo.
Recém chegada do psiquiatra, quando selou o diagnóstico, Alice decidiu contar aos avós e à madrinha.
- Mas o que isso quer dizer?
- É assim, vó, eu tenho muita facilidade em aprender muitas coisas e dificuldade em outras. Lembra quando eu era pequena que eu tinha pouquíssimos amigos? Eu passava mal comendo algumas coisas, ensinava minhas bonecas, lia muito rápido e outras coisas? Era tudo por causa do autismo.
- É por isso que você é mais inteligente que todo mundo?
- É, também.
Eis que a tia, ao lado da avó, ouvindo com atenção, abre um sorriso e vai dar um abraço na afilhada.
- Êh, Alice, hein! Parabéns!
- Parabéns? Porque ela é autista? Não tem sentido! - ralhou a mãe de Alice com a irmã mais nova.
- Mas é que, para mim, isso não é uma doença. Ela é inteligente! Será que o Murilo não é também? Ele é tão inteligente!
Ah, tia, se o diagnóstico fosse simples assim...
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O cativante universo de Alice
Non-FictionAos 39 anos descobrir que é autista não é algo muito feliz, principalmente quando passou todo esse tempo tentando se encaixar e tendo plena consciência de ser diferente, mas sem saber o motivo.