Quem é inteligente sofre mais ou menos?

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Há vários anos, numa noite qualquer, após terminar um relacionamento, eis que minha mãe entra no meu quarto com a notícia:

- Alice, eu li num site que pessoas que são muito inteligentes sofrem menos.

- Como é que é?

- É isso! Pessoas mais inteligentes do que a média têm maior facilidade em racionalizar as situações e, por isso, sofrem por menos tempo.

- Então não é "sofrem menos" é se recuperam mais rapidamente...

- Ou isso...

Será mesmo? Será que o sofrimento está relacionado ao autismo? Será que é o "problema de memória" (muito boa)? Será que é sobre a dificuldade de criar laços? Será que é a rigidez cognitiva que dificulta a quebra de rotina? Será?

Desde quando minha mãe jogou essa informação como uma forma de me consolar - eu acredito piamente nisso -, não consigo pensar em qualquer outra coisa todas as vezes em que sofro por qualquer que seja o motivo. E talvez isso me gere um sofrimento mais longo...

Um melhor amigo que faleceu aos 18 anos de idade, depois de 11 anos juntos. Acidente. Uma pessoa que era muito próxima. A primeira paixonite. Aquele irmão de vidas passadas (se você acreditar nisso). De repente, a promessa de nos encontrarmos na faculdade virou uma frase dita na despedida da formatura do Ensino Médio e jamais se cumpriria. A incapacidade de entrar no velório para ter certeza daquela perda. Era apenas um costume? Uma rotina? O que era essa certeza de tê-lo ali para sempre?

Dizem que não existe uma dor maior do que a de uma mãe que perde um filho. Eu perdi. Mas ela está viva. Eu só não sei onde nem como. Eu a perdi. Ela escolheu não ficar e sempre tento imaginar que ela está bem, em algum lugar seguro, comendo as comidas de que gosta, com as pessoas que ama - e a amam também. Ela quis ir para perto de outras pessoas, quis um mundo diferente do que estava oferecendo. Sim, eu fui mãe, mas ela não quis ser filha. E essa dor, é sobre ser tão diferente?

Por que para essas questões as altas habilidades não são efetivas? Por que eu não consigo ser tão inteligente ao ponto de parar de sofrer? Por que a razão é tão impotente com todo o sentimento de luto que me invade? Por que preciso ter memória tão boa para lembrar do som do sorriso dele ou do som da respiração profunda dela?

Talvez a mamãe tenha visto errado ou eu não sou tão inteligente quanto ela imaginou - ou gostaríamos. Tem tantas dúvidas e tantos sentimentos que me acompanham e, às vezes, eu queria deixá-los pelo caminho e seguir mais leve, mas não consigo. Parece uma ressaca marítima. Meus olhos podem não transparecê-la, mas, às vezes, transbordam. 

O cativante universo de AliceWhere stories live. Discover now