Um dos pesadelos de Alice tornou-se realidade ao entregar o relatório neuropsicológico ao psiquiatra: ele lhe prescreveu dois medicamentos.
- Um para você não se matar e outro para você não matar ninguém - brincou o médico.
Mas a moça ficou um tanto assustada com a brincadeira. Não que estivesse calma e feliz antes disso. No momento em que o doutor falou que lhe receitaria algumas coisinhas para ajudar a pensar, parece que todo o restante da conversa ficou embaçado. Alice se lembra de pouco do que aconteceu ou foi falado depois da fatídica menção aos remédios.
Tudo bem, ela queria - precisava - dormir melhor, queria descansar e conseguir manter uma linha de raciocínio quando atingisse alto nível de estresse. Queria também ter menos crises de choro e menos dores de cabeça. Contudo, isso parecia menos fácil de alcançar do que a paz mundial!
Saindo da consulta, Murilo já parou na farmácia e comprou os comprimidos suficientes para o tempo de dois meses que o psiquiatra sugeriu para teste. Na mesma noite Alice começou o tratamento. Dia seguinte: tremor no corpo todo durante o dia e uma crise de enxaqueca no final da tarde. Segundo e terceiro dias: cama o dia todo por uma das piores crises de enxaqueca que já teve. Quarto dia: corpo todo tremendo de novo. E dessa forma se manteve durante duas semanas.
Alice notou uma certa confusão mental. De repente, no meio de uma frase sumia uma palavra em português ou inglês e ela somente se lembrava em Libras ou espanhol. Ela estrava trocando algumas palavras na hora das aulas e explicou aos alunos exatamente o motivo.
- Agora estou tomando medicamentos para me ajudarem a pensar melhor e preciso, por favor, que tenham paciência comigo, pois ficarei um tantinho lenta. Ou pelo menos, não tão rápida quanto vocês me conhecem.
Seus filhinhos do coração, como sempre, foram extremamente compreensivos e muito solidários e respeitosos.
Com o passar dos dias, Alice notou, porém, que não estava tendo os resultados que o psiquiatra almejava. Estava apenas com o tremor, trocando palavras e esquecendo algumas coisas muito mais rápido do que o normal. Essa adaptação aos medicamentos seria complicada, ainda que necessária.
Alice tinha plena consciência de que precisava de algo para ficar bem, para parecer "normal" na maior parte do tempo sem que fosse tão sacrificante. Todavia, aquelas não seriam as drogas que a ajudariam, ela percebeu logo. E, apesar de se orgulhar por ter passado a vida toda longe de entorpecentes, sabia que, de agora em diante, seria uma usuária permanente. Era o preço por boas noites de sono e relaxamento.
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O cativante universo de Alice
Non-FictionAos 39 anos descobrir que é autista não é algo muito feliz, principalmente quando passou todo esse tempo tentando se encaixar e tendo plena consciência de ser diferente, mas sem saber o motivo.