Faz parte da infância uma busca inconsciente por modelos inspiradores, por isso - além de outras coisas - representatividade é tão importante. Esta, no entanto, não era uma questão muito comentada nos anos 80 e 90, não era exatamente um problema...
Alice, como uma garota quase normal nascida nos anos 80, alfabetizou-se com a televisão. Literalmente. E isso foi entre 3 e 4 anos de idade. Conclui-se, portanto, que a menina passava várias horas em companhia da telinha.
Neste tempo, seus desenhos preferidos eram Cavalo de fogo (princesa loira) e She-Ra (princesa loira), além do clássico programa Xou da Xuxa (rainha loira) e da Angélica (adivinha?). Tudo bem, tinha a Mara Maravilha, mas convenhamos, o Topo Giggio era muito mais legal!
Havia também a Liga da Justiça com Superman, Batman e ela, uma princesa de longos e ondulados cabelos negros, a Mulher Maravilha! Linda, inteligente, poderosa, tinha quatro princípios básicos: amor, verdade, justiça e força. Eles soaram como quatro mandamentos para a pequena Alice e passaram a guias morais para seu convívio social.
Um triste porém, na década de 90 não havia muitos itens da Princesa de Temiscira que pudessem compor o País das Maravilhas da infante aspirante à amazona. E o que existia era caro, a menina sabia que os pais não poderiam comprar - eles já assinavam os gibis da Turma da Mônica, era mais do que suficiente para ela!
Mas Alice cresceu e começou a trabalhar. Quando menos esperava: um filme da personagem e, com isso, vários produtos daquela deusa estrangeira em seu mundo. Chegara o seu momento! Ela podia comprar o que a infância sonhou! Assim iniciou a coleção de itens da Mulher Maravilha - deliciosamente aumentada pelos amigos e alunos.
Mais do que um hiperfoco, um código de conduta, uma baliza moral, a heroína gerou uma identificação até então desconhecida por Alice. Aquela mulher incrível entendia as frases de forma literal, preferia e conseguia agir sozinha, era extremamente inteligente e observadora e tentava se importar com todas as pessoas sem qualquer distinção. Quem não quereria ser assim? Uma autista, certamente se esforçava! Está bem, pode até ser um hiperfoco, mas que a mantém centrada e confortável em ambientes sociais importantes como o trabalho.
Ainda que o tempo inocente tenha ficado para trás, a sensação que Alice tem quando compra algum item para a coleção é de vitória, de ter vencido seus próprios desafios mantendo aqueles princípios, praticamente uma recompensa. Quando ganha dos amigos, é a sensação de pertencimento e de reconhecimento, eles veem nela pelo menos algum dos valores.
E quando um aluno a presenteia com algo, então? Ela fica em êxtase! É como se estivesse conseguindo multiplicar o amor, a verdade, a justiça e a força no caminho escolhido. Parece que faz todos os sonhos e sacrifícios valerem a pena. É seu momento de regalo no Templo de Atena da sua própria Ilha Paraíso!
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O cativante universo de Alice
Non-FictionAos 39 anos descobrir que é autista não é algo muito feliz, principalmente quando passou todo esse tempo tentando se encaixar e tendo plena consciência de ser diferente, mas sem saber o motivo.