A pessoa que tem o nome de uma personagem famosa da Literatura Universal - nonsense, diga-se de passagem, o que é bastante providencial - tem quase obrigação de gostar de ler. Alice encontra um refúgio em cada livro que escolhe, ainda que a história não seja tão acolhedora. A fuga da realidade sempre é o suficiente.
Sua ânsia em dar sentido àqueles desenhos específicos que via quando criança fez com que sua paixão pelas letras seja avassaladora até hoje, quase quarenta anos depois. Está em crise? Lê em voz alta. Está triste? Lê algo para distrair. Está feliz? Lê algo que a mantenha contida. Em todo e qualquer momento, ela lê e se sente mais completa a cada palavra.
Mas, nem somente de livros vive a moça. Tem também as gatas. Suas três filhas felinas que a distraem, cuidam e protegem mais do que ela mesma. O universo pode estar ruindo, o apocalipse instaurado, se Alice estiver com uma de suas gatas no colo, nada as atingirá. Aquele brilho dos olhinhos tão inocentes ilumina todo cantinho escuro de seus medos, tornando-os insignificantes. Ela se sente poderosa e tranquila, uma miscelânea relaxante de sensações despertada pelo magnífico ronronar dos seus pequenos pedaços de paraíso.
Escrever! A literatura corre mesmo pelas veias de Alice! Tanto que, apenas uma folha em branco já supre a necessidade incontrolável de contar histórias. Ela seleciona cuidadosamente os termos e sua ordem para que despertem emoções linha após linha, levando as pessoas a refletirem sobre si ou o outro. Elas devem sentir algo, um incômodo, devem sair do texto diferentes de como chegaram. Alice se sente tecendo um novo dia de oportunidades ou uma nova noite de sonhos sempre que compila suas ideias num suporte compartilhável.
O colo de Murilo e seu cheiro de paz. Sua casa... não, mais do que isso: seu lar. O melhor lugar em todo o multiverso e região. Tudo se dissipa quando os braços do marido a alcançam e enlaçam. A algazarra cotidiana fica amena e irrelevante. Ela pode desligar os modos de convivência em sociedade, descansar o cérebro. Murilo permite que Alice seja. E só. Ela pode ficar muda, com o olhar perdido, apenas respirando e metabolizando e tudo bem. E o amor está ali, segurando-a e sendo refletido para ele.
Os amigos também, mas não o tempo todo, afinal, sempre existe algum comentário divertido - maldoso de vez em quando, porque ninguém é bom o tempo inteiro. Sua família escolhida minuciosamente para dividir surtos, sonhos, felicidades e o que precisarem. Eles completam a regulação de Alice com chave de ouro! Fazem-na sentir-se querida e necessária de várias formas. Isso a preenche como nada!
Por fim, não menos importante, sabe aquele silêncio que transborda a alma? Aquele em que você escuta as batidas do coração e a eletricidade dos neurônios? Em que tenta respirar mais delicadamente para o ruído do ar não interferir no nada? Às vezes Alice se concentra nele para poder se encontrar novamente na imensidão oceânica dos seus pensamentos. E os olhos fechados para o mundo exterior permitem esta calmaria depois de uma tempestade.
Nem só de momentos difíceis vivem uma autista, viu? Também tem coisas boas às quais se agarrar de vez em quando. São seus objetos e pessoas de segurança, sua rede de suporte. E, por que não, ela também o suporte de tudo isso?
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O cativante universo de Alice
Non-FictionAos 39 anos descobrir que é autista não é algo muito feliz, principalmente quando passou todo esse tempo tentando se encaixar e tendo plena consciência de ser diferente, mas sem saber o motivo.