Quando Alice falou a algumas pessoas do seu círculo social que faz terapia há quase nove anos com a mesma psicóloga, várias delas reagiram de forma inesperada.
- Você precisa trocar de psicóloga!
- Mas por quê?
- Muito tempo com a mesma pessoa não faz bem!
- Mas por quê?
- Vocês se acostumam uma com a outra e o tratamento deixa de funcionar.
- Não tem sentido! É uma psicóloga, quanto mais ela me conhecer, melhor!
- Mas não está adiantando, você é muito ansiosa! Precisa aprender a controlar essa ansiedade.
Incontáveis respostas passaram pela cabeça de Alice todas as vezes que ouviu este discurso:
- Você já pensou em tratar essa sua falta de educação? Porque se intrometer na vida das pessoas sem ser convidada é um caso grave!
- O nome disso é ciúme, sabia? Só porque minha psicóloga e eu temos um relacionamento mais duradouro do que todos os seus até hoje, não precisamos terminar.
- Você vai se sentir melhor se eu mudar de psicóloga? Se você for se sentir melhor eu posso pensar no caso...
- Desculpe-me! Não sabia que a minha terapia estava te afetando tanto. Vou pedir alta para ver se você melhora!
- Você precisa aprender a ser mais educado com as pessoas e eu não fico falando disso com você.
- Sério?! Você vai começar a me tratar agora? De graça ou pelo convênio?
- Quanto eu te devo por essa opinião? Eu tenho que pagar à vista ou você parcela? O que não foi pedido deve ser mais caro, né?
- Você sabe em que consiste um tratamento psicológico? Confiança é um dos pilares, sabia? Confiança é aquilo que eu não te dei para me falar esse tipo de coisa.
- Tem muita gente na sua vida que é tóxica, sabia? Esse é o tipo de pessoa de quem deve se afastar.
- Minha psicóloga matou alguém? Vai ser presa por alguma coisa? Não, né?! Então por que trocar?
- Parabéns! Não sabia que você tinha se formado em Psicologia! Ah! Não formou? Que estranho! Então por que está me dizendo para trocar a terapeuta?
- Conta, conta, conta! O que você sabe que eu não sei sobre o meu tratamento?
- Mas a minha psicóloga é a única pessoa que conseguiu me manter com o réu primário intacto até hoje!
- Não posso... ela me dá as drogas de que preciso - serotonina, ocitocina, dopamina e endorfina.
- É assim, eu vou te passar o contato dela, tenta marcar um horário, ela talvez não consiga mais nada com você, mas tentar não custa, né?
- Ah! Entendi! Não tem problema se nós tivermos a mesma terapeuta, pode ir! Ela, ao contrário de você, tem ética para não falar da vida de outra pessoa.
- E você é super legal! Quem é o próximo a dizer alguma coisa ridícula que ninguém quer saber?
- Você precisa de terapia!
- Supera esse sentimento, por favor.
Mas, adivinha por que Alice nunca responde com algo além de um sorriso sem graça... Porque ela faz terapia há nove anos com uma pessoa que a conhece melhor do que ela mesma. Essa pessoa trata as questões do autismo há todo esse tempo e nunca falou para a moça por saber que ela surtaria - como aconteceu - e entenderia na hora certa para lidar com isso. Ela faz Alice ser mais ou ser simplesmente A Alice. Então, não, ela não vai trocar de psicóloga, aliás, se precisar de indicação, tem também um psiquiatra excelente!
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O cativante universo de Alice
Non-FictionAos 39 anos descobrir que é autista não é algo muito feliz, principalmente quando passou todo esse tempo tentando se encaixar e tendo plena consciência de ser diferente, mas sem saber o motivo.