Prólogo

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Eu me lembro do calor. O calor sufocante que parecia consumir o ar ao meu redor, como se o próprio mundo estivesse ardendo. Eu estava de pé, mas meu corpo exausto, minhas forças há muito se esvaíram na luta, porém manti o que restava de minha dignidade. À minha frente, Sunfyre, o dragão dourado de Aegon, rugia, as escamas brilhando ao sol como uma joia demoníaca. Suas narinas exalavam fumaça, e seus olhos, aqueles olhos que já haviam visto tantas batalhas, estavam fixos em mim com uma fúria fria e calculada.

Aegon II estava ali também, sentado em uma cadeira com metade de seu corpo cheio de cicatrizes de queimadura, a figura sombria, triunfante e acabada de meu meio-irmão, aquele que havia jurado destruir tudo o que eu era. Mas eu não conseguia focar nele. O que dominava meus pensamentos, o que ecoava em minha mente como um martelo implacável, eram os gritos de meu filho.

— Não! Não matem minha mãe! Por favor, não façam isso!

A voz de Aegon rasgava o ar, uma mistura de desespero e pânico que partia meu coração em mil pedaços. Ele estava sendo contido pelos soldados de meu meio-irmão, lutando com todas as forças, mas impotente diante do destino que nos aguardava.

Eu queria gritar para ele, dizer-lhe que tudo ficaria bem, que isso não era o fim. Mas eu sabia que seria mentira. Já não havia mais esperança, e a única coisa que eu podia oferecer a ele era a lembrança de uma mãe que o amava até o último suspiro.

Enquanto Sunfyre abria sua mandíbula, vi a luz do fogo se acender em suas entranhas. O mundo parecia desacelerar, cada detalhe ganhando uma clareza cruel. Eu não sentia medo, não exatamente. Havia dor, sim — uma dor tão profunda que cortava como uma lâmina — mas havia também uma estranha aceitação. Eu, Rhaenyra Targaryen, nascida para governar, estava prestes a encontrar meu fim não em um trono, mas nas garras e nas chamas de um dragão que eu uma vez considerei parte de minha família.

Quando o fogo finalmente irrompeu, foi como se o próprio inferno se abrisse sobre mim. O calor era indescritível, uma onda de pura agonia que envolveu todo o meu corpo em uma fração de segundo. Minha pele queimava, meu sangue fervia, e meus ossos estalavam sob a intensidade do ataque. Era uma dor tão intensa que por um momento parecia que meu espírito se separava de meu corpo, flutuando acima, observando de longe a mulher que uma vez eu fora, agora reduzida a cinzas.

Os gritos de meu filho se fundiram com o rugido do fogo, e tudo ao meu redor se tornou uma cacofonia de sons indistintos. Mas, mesmo naquele momento, com minha visão se obscurecendo e a consciência se esvaindo, eu me agarrei a um único pensamento: eu falhei.

Falhei em proteger minha família, falhei em manter minha casa unida, falhei em sobreviver para ver o dia em que o Trono de Ferro seria meu. Mas, acima de tudo, falhei com meus filhos, aqueles que eu deveria ter mantido seguros, aqueles que agora teriam que viver com o horror do que estavam presenciando.

O mundo foi desaparecendo lentamente, primeiro os sons, depois a visão, até que só restou a sensação do fogo consumindo tudo o que eu era. No último instante, enquanto a escuridão final me envolvia, uma única lágrima percorreu meu rosto queimado. Não por mim, mas por meu pequeno Aegon e por todos os outros que eu havia deixado para trás.

A escuridão envolveu meu corpo como um manto pesado, e por um instante a dor desapareceu, substituída pelo vazio. O rugido do fogo, os gritos de Aegon, o cheiro acre de carne queimada — tudo isso foi silenciado, como se o mundo tivesse parado. Então, um novo som começou a emergir do nada. Um choro estridente e agudo, um som inconfundível, que cortava o silêncio pesado da sala. Um bebê.  Eu conhecia bem aquele som — já o havia ouvido cinco vezes antes, cada um marcando o nascimento dos meus filhos. Um misto de nostalgia e dor percorreu meu peito. Mas... este som não deveria estar aqui.

Minha mente estava turva, confusa, como se estivesse emergindo de um pesadelo, ou talvez de algo ainda pior. Abri os olhos lentamente, minha visão se ajustando à luz fraca da câmara. Minhas mãos estavam pesadas e quentes, e foi então que percebi. Eu estava segurando um bebê. Pequeno, envolto em lençóis finos e macios, ele parecia estar se acalmando em meus braços, seus choros diminuindo enquanto se aninhava contra mim. Por um momento, o simples ato de embalar uma criança me trouxe paz, mas logo essa sensação foi esmagada por uma realidade mais cruel.

Olhei para o bebê mais de perto, e um calafrio percorreu minha espinha. Aegon. Aquele que, em outra vida, seria meu destruidor. O filho de Alicent Hightower. Meu meio-irmão, que em meu passado — não, em meu futuro — tomaria tudo de mim, jogando minha vida, meu reino e meus filhos nas chamas da guerra.

Meu coração começou a acelerar, o ar parecia sumir dos meus pulmões enquanto olhava para ele. Aquele pequeno rosto inocente, que agora dormia tranquilo em meus braços, não mostrava o que estava por vir. Ele era apenas um recém-nascido, sem ideia de que um dia se tornaria o algoz da irmã que agora o segurava com mãos trêmulas.

— É um menino, Rhaenyra — a voz de meu pai soou ao meu lado, cheia de um orgulho profundo e satisfeito. O Rei Viserys estava ali, de pé, com os olhos fixos no recém-nascido em meus braços. Sua expressão estava aliviada, quase extasiada, como se o nascimento desse menino fosse a solução para todas as suas preocupações. Meu coração apertou. Aegon, o tão desejado filho homem que ele sempre quis.

Alicent estava na cama, ao fundo. Sua pele parecia pálida, suada e cansada pela dor do parto, mas seu olhar... ah, aquele olhar. Ela me encarava com algo que eu conhecia bem: triunfo. Havia um brilho vitorioso em seus olhos, como se já soubesse o que este nascimento significava, como se já estivesse antecipando a luta que viria, a disputa que me esperava. Ela acabara de dar à luz o herdeiro que meu pai tanto desejava, e a tensão na sala era palpável, como se o destino estivesse sendo traçado ali, naquele momento. O sorriso discreto em seus lábios dizia tudo.

Meu corpo ficou tenso. Meus pensamentos eram um turbilhão. Onde eu estava? Como isso era possível? Eu tinha morrido... A imagem do fogo, dos gritos, das traições, da dor, tudo voltou em flashes tão rápidos que me deixaram atordoada. Eu tinha visto meu fim, sentido a espada de Aegon se aproximar, sentido a chama do dragão queimando meu mundo.

E agora, aqui estava eu, viva, segurando aquele que me traria a ruína.

Os segundos passaram, e um frio intenso percorreu minha pele. Eu estava no passado. A revelação caiu sobre mim com o peso de uma montanha. De alguma forma, eu havia retornado — não apenas a qualquer momento, mas exatamente ao dia em que minha desgraça começaria. O nascimento de Aegon II, o mesmo irmão que um dia tomaria tudo o que eu amava.

Por que eu fui trazida de volta? Seria isso uma maldição? Ou... uma chance?

Olhei novamente para o bebê em meus braços. Desta vez, as coisas seriam diferentes. Eu não cometeria os mesmos erros. Se era o destino ou os deuses antigos e novos que me trouxeram de volta, eu não sabia. Mas eu estava certa de uma coisa: eu iria mudar o curso da história, e desta vez, seria eu quem sentaria no Trono de Ferro.

A Herdeira Das Chamas | A casa do dragão Onde histórias criam vida. Descubra agora