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maria point of view
condomínio campo belo

— oi pai, como estão as coisas por aí?
— tudo ótimo, corrido mas ótimo – diz pela chamada de vídeo — e aí? 'tá estudando bastante?
— 'tô estudando nesse exato momento – ri — mas esse semestre vai ser de boa, só tem simulado e coisas importantes no próximo.
— entendi, mas mesmo assim, melhor não perder o ritmo né – diz e eu assinto — dei uma conferida nas suas notas...
— ué, o senhor sabe mexer no site?
— eu aprendi, viu – diz orgulhoso e eu ri — sua mãe me ensinou, mexeu 'numas coisas lá e eu consegui.
— muito desenrolado mesmo!
— tem que ser – riu — só queria falar que eu fico muito orgulhoso, viu? você 'tá se superando cada vez mais.
— é muito bom ouvir isso, pai.
— é a verdade, minha filha – ele diz e eu engulo o choro, tentando respirar fundo — ó, sua mãe 'tá lá mexendo na horta dela. passa o dia inteiro lá se deixar.
— ela não desapega dessa horta mesmo né – ri na tentativa de disfarçar o choro — fala pra ela me mandar foto de como 'tá ficando.
— vou falar mesmo! capaz de ela fazer um book pra você.
— é verdade.

conversamos mais um pouco e logo ele desligou, dizendo que tinha chegado visita. nem perguntei quem era, capaz de ser algum vizinho próximo ou qualquer pessoa aleatória. nunca vi pessoa pra gostar mais de receber visita igual meu pai e minha mãe, eles inventavam de tudo pra levar gente pra casa deles, mas vir me visitar que é bom, nada. assim que desliguei, abaixei a tela do celular na escrivaninha e enterrei o rosto na palma das mãos, me permitindo chorar. só eu sabia o quanto me balançava escutar que o meu pai se orgulhava de mim.

ele não sabe demonstrar sentimentos direito, é sempre sucinto nas palavras, não conta o que 'tá sentindo e age muito como 'durão. e eu não julgo ele, ele foi criado assim e não sabe lidar com isso. o problema, é que eu também não sabia e acabava me frustrando muito por não receber afeto do meu pai. não que eu não recebesse, mas não exatamente do jeito que eu queria. mas foi assim a vida toda, eu já 'tava começando a me acostumar. era até engraçado que, ser criada assim, me fez projetar muito esse sentimento em outras pessoas, românticamente falando. isso explica a dependência emocional no meu ex namorado tóxico.

e meu choro foi de alívio, por saber que ele 'tava vendo que o dinheiro que ele investia em mim 'tava sendo recompensado. isso preenchia meu coração. o choro foi passando, me deixando mais calma.

fui aproveitar que já estava melhor e comecei a me arrumar. combinei de almoçar com a iara em um restaurante japonês perto da casa dela. ou seja, longe da minha, então eu tinha que começar logo. tomei um banho rápido, fiz minha skin care e minha maquiagem e coloquei uma das primeiras roupas que eu achei pelo meu armário. 'tava sem paciência alguma pra decidir look, já fritei todos os meus neurônios tentando decidir uma roupa pra usar mais tarde. e na real, eu nem sabia se 'tava de pé mesmo, já que o ghard não falou mais nada e eu também não falaria. qualquer oportunidade de ficar em casa eu abraço e isso não é segredo pra ninguém.

[...]

— mas você que pediu pra ele te levar ou ele se ofereceu?
— ele insistiu, na verdade – falo contando pra ela sobre a carona do ghard no dia da boate — e eu só aceitei porquê não tava achando uber pra mim.
— nossa, 'tô surpresa – ela diz, mergulhando o sashimi de salmão no shoyu — e ele não tentou te beijar nem nada?
— na verdade não! ele foi super respeitoso, não forçou nada, me deixou em casa depois que a gente passou no bk pra comer e só foi embora quando me viu entrar no prédio.
— nossa, então ele 'tá mudado completamente.
— ué, como assim?
— não que eu conheça né, mas pelo que eu ouvi os meninos falando, ele é super cafajeste – diz enquanto eu comia — na real, quando ele saiu pra te levar, não avisou ninguém, correto?
— correto!
— então, aí os meninos começaram a apostar pra casa de qual mina ele ia, ou que ele foi buscar alguém pra levar pra lá e não sei o que – diz — por isso minha surpresa.
— você jura?
— te juro, 'miga! – ri — ele tem cara de quem não presta mesmo, mas pra chegar no nível em que os amigos dele começam a apostar com qual menina ele foi transar, tem que ser nível máximo.
— realmente – ri — que engraçado, ele não me pareceu nada disso.
— as vezes isso é o que ele transparece só 'pros amigos, típico de homem que quer ser sem sentimento, sabe?
— mas isso ele parece ser mesmo – digo antes de dar um gole da minha coca — apesar de super engraçadinho, ele pareceu ser frio, como se ninguém de fora soubesse da vida dele, entende?
— entendo! e isso aí a gente descobre com o tempo – deu de ombros — homem misterioso é bom, mas os que saem fofocando sobre tudo é bem superior.
— o veigh é assim, né?
— e muito – rimos — eu adorei ele, conversa bem, é gostoso e ainda manda mensagem no outro dia.
— mas você não vivia dizendo que isso é o mínimo, amiga?
— no seu caso, porque era seu namorado né, é o que ele deveria fazer – diz e eu ri, ela não 'tava mentindo — agora ficante, já é outra história.
— será que o ghard manda?
— só tem uma forma de descobrir, 'gatona – diz provocativa e eu ri, negando com a cabeça — só uns pegas não faz mal, maju!
— nesse caso faz sim.
— careta!
— vai começar, iara?
— ó, foi só falar nele – iara mostra a tela do celular toda empolgada, onde tinha uma notificação do thiago — 'tá perguntando se a gente vai hoje mesmo.
— se eu falar que não 'tô muito afim, você vai me matar?
— obviamente.
— então 'tá, fala pra ele que nós vamos.
— isso, amiga!

diz vitoriosa dando palminhas fracas, me fazendo rir. continuamos conversando sobre várias coisas, ela contando as fofocas do serviço enquanto eu só sabia rir. depois de comer muito, pagar a conta e sair do restaurante, ela avisou que iria pra casa buscar as coisas dela pra vir se arrumar na minha. nem questionei, isso era rotina quando a gente saía, o que não acontecia muito, mas acontecia.

[...]

𝐋𝐈𝐁𝐄𝐑𝐓𝐈𝐍𝐀, 𝗀𝗁𝖺𝗋𝖽.Onde histórias criam vida. Descubra agora