Capítulo 32

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No dia seguinte, bem cedo, Atom abriu os olhos. O mal-cheiro da cela, os gritos das penitenciárias e o colchonete duro não permitiam que ela tivesse muitas horas de sono desde que estava ali.
E agora estava pior: tinha um olho roxo e insuportavelmente dolorido.
Sua arrogância e seu modo grosseiro de tratar as outras detentas já haviam criado confusão naquele pouco tempo de estada. Uma delas, uma baixinha encrenqueira de mais ou menos trinta e cinco anos, pegara Atom desprevenida na noite anterior, com seu bando: mais três detentas.
Atom tentou se defender, mas só piorou sua situação. Agora estava com medo de dormir por causa disso também.

-Atom Apasra! –Uma voz de comando, rabugenta, chamou.

A morena se levantou, trôpega, segurando-se na parede mofada e úmida, enquanto se aproximava do segurança.

-Tem alguém que veio ver você. –O homem falou, ríspido, sem olhá-la. Como se fosse um ser inanimado.

-Quem? Minha mãe? –Atom sentiu os olhos brilharem com a esperança de sair dali o quanto antes, e segurou na grade.

-Não. –O segurança respondeu, fazendo um gesto para a pessoa se aproximar. –Como seu julgamento ainda não foi feito, você não pode receber visitas na sala, e seu tempo máximo é de quinze minutos. Entendeu?

Atom assentiu, nervosa. Ela trocou um olhar com a pessoa que se aproximava e se afastou. Atom esperou a pessoa sair do corredor escuro para ver quem era. E quando viu, seu coração parou por vários segundos e ela empalideceu.

-Faye?!

Faye observou a mulher que conhecia há tantos anos, aquela que fora sua namorada, parte da sua vida. Aquela que não reconhecia mais.
Atom estava um caco, em todos os sentidos. As roupas largas e sujas, meio molhadas. Os cabelos antes brilhantes e bem cuidados, agora caíam numa cortina loira e úmida na cara. Olheiras profundas e escuras no rosto lavado e pálido. Uma mancha escura e feia num dos olhos. Poucos dias ali já haviam tornado-a uma sombra.
Para uma jovem que vivera acostumada a ter conforto e luxo (às custas de Yoko), aquilo deveria ser o inferno.

-O que está fazendo aqui? –Atom murmurou, nervosa.

Faye olhou bem para ela, e notou que ela ficava constrangida com seu olhar.

-Vim olhar na cara da mulher que arrancou minha felicidade sem dó nem piedade, e teve a audácia de fingir que eu era importante até alguns dias atrás.

-Você é importante. –Atom disse entredentes.

-O que você fez, Atom? –Faye apertou os olhos, balançando a cabeça confusamente enquanto a olhava com nojo.

O olhar de Faye naquele momento era de tanta repulsa que Atom se encolheu. Aquilo doía mais do que qualquer outra coisa.

-Tudo o que eu fiz, foi por amor à você. –Ela declarou friamente.

Faye se surpreendeu que mesmo naquelas horas ela ainda guardasse um pouco de frieza e arrogância. Como se fosse a dona da verdade.

-Você chama de amor tirar a minha coisa mais preciosa e assistir enquanto eu definhava por uma coisa que você tinha feito intencionalmente?

Atom voltou a se encolher quando ela se referiu à Yoko como sua coisa mais preciosa.

-Eu nunca pretendi que você ficasse tão mal... nunca quis ver você sofrer tanto. Eu só queria ser o seu apoio e te mostrar que eu sempre fui certa para você. Desde a adolescência. Ela tirou você de mim. –Atom disse entre os dentes, e seus olhos brilhavam com o ressentimento.

-Yoko não te tirou nada! Eu nunca fui sua, Atom. Sempre fui apaixonada pela sua irmã. –Faye declarou cruelmente. –A única que tirou alguma coisa de todos nós, foi você e todo o seu egoísmo doentio. Eu estava lidando com uma psicopata e não sabia.

-Não! Faye... –Atom estendeu a mão, com lágrimas de desespero nos olhos. –Eu posso agüentar qualquer coisa. O inferno. Mas não que você me despreze.

Faye a olhava como se visse um rato morto. Talvez se visse um rato morto, tivesse mais piedade.

-Não me olhe assim. –Ela pediu. –Você não entende! Tudo o que eu fiz foi para ter você.

-Você foi longe demais, Atom. E para nada. –Ela a observou com repulsa. –Sabe o que vai acontecer agora?

Atom fez que não.

-Eu vou ter Yoko de volta. –Ela declarou. -E amando-a muito mais do que amava antes do acidente. Nunca mais vou deixar que me afastem dela, nem mesmo o próprio demônio. Enquanto você vai passar anos da sua vida presa numa cela suja... e vai ser para sempre tão infeliz quanto eu fui nesses meses.

-Não! –Atom começou a tremer.

Faye balançou a cabeça, olhando-a mais um momento, e virou as costas. Atom machucou o braço e estendeu a mão para fora da grade rapidamente, agarrando-a.

-Não, Faye! Espere.

Ela virou-se lentamente, os olhos brilhando em fúria e desprezo. A sombra do corredor lhe encobria metade do rosto, tornando-a mais sombria.

-Eu só não a mato, aqui mesmo e agora, porque enquanto dirigia para cá resolvi que seu pior castigo vai ser viver aqui completamente sozinha por anos e anos. –Ameaçou. -E ao contrário de você, eu prefiro viver uma longa vida de felicidade ao lado da pessoa que eu amo. Não vou estragar minha vida sendo presa por matar uma barata. Que você tenha o que merece, Atom. –Faye lançou um olhar para dentro da cela, um último olhar à ela, e se afastou de vez, livrando-se da mão da moça como se fosse um bicho.

-NÃO! FAYE! –Atom berrou, mas ela já tinha ido.

Caiu sentada na cela e chorou tudo o que podia. Não sabia se tinha passado dez minutos, ou muito mais, mas quando ergueu o rosto, viu outra pessoa ali que tampouco esperava ver naquela dia...

-Papai? –Murmurou, rouca pelo choro.

Chet estava parado, onde Faye estivera mais cedo. Por um momento Atom se perguntou se elas tinham combinado..., mas Faye já fora embora há um tempo, não fazia sentido. Chet devia ter chegado ali depois, sem saber da visita anterior.

-Atom... o que aconteceu? –Chet murmurou. –O que aconteceu com você?

-Papai... veio me tirar aqui? –Atom ergueu-se do chão.

-Não posso fazer isso. –Ele balançou a cabeça.

-Então porque veio? –Atom disse em voz alta, voltando a chorar.

-Para ver direito no que minha menina se transformou. –Chet estava branco.

-Você está ao lado dela, não é? Como sempre. –Atom disse com amargura. –Nunca tentou ver meu lado. Nunca esteve comigo. Sempre com a sua queridinha. Seu bebê.

-As duas são minhas filhas e eu sempre as amei igualmente, Atom. –Ele disse, tremendo. –Agora eu já não posso dizer o mesmo.

Atom se afastou como se tivesse levado um tapa.

-Você... minha própria filha uma assassina... –Ele ofegou. Tinha a testa molhada de suor, e parecia não articular bem as palavras.

-Não! –Atom gritou tapando os ouvidos. –Vá embora!

-Atom. –Chet disse com amargura. Foi então que ela gritou e colocou a mão no peito, ofegante e de cabeça baixa. Estava tendo um ataque cardíaco e não percebeu quando se encostou na grade, segurando-se para não cair; esforçando-se para respirar.

-Pai? –Atom o olhou de cenho franzido.

Chet não respondeu, foi descendo até o chão, ofegante.

-Alguém ajude! –Atom gritou batendo nas grades.

-O que está acontecendo aqui? –Um dos seguranças se aproximou, e ao ver Chet nochão, gritou por ajuda para os outros policiais.

Não demorou para a ambulância chegar e Chet ser levado às pressas numa maca.

-Me deixem sair! –Atom berrava. –É o meu pai! Me deixem sair!

-Você fica bem quietinha aí, moça. –Um dos seguranças ordenou com a voz forte. Atomse calou de imediato. –Seu pai já foi levado para o Hospital. Você fica.

-Mas eu preciso ir com ele! –Atom disse com raiva.

-Não vai a lugar algum. Isso não é um acampamento. E pare de gritar se nãoquiser perturbar as outras detentas. –Foi o último aviso rude do homem.

Atom encostou na grade, nervosa. Se o pai morresse por sua causa... o que sua mãe diria? Iria odiá-la pelo resto da vida.

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