Capítulo 21

297 33 1
                                    


-Pode entrar, senhorita. –A enfermeira indicou a porta para Atom. –Não toque no paciente, não fale muito alto, e o tempo máximo é de cinco minutos. Ela pode estar meio sonolenta por causa dos remédios.

-Ok, obrigada. –Atom pegou a maçaneta e entrou no quarto.

A visão que teve lhe pegou de surpresa. Sabia que ela estaria em choque, mas não pensou que uma pessoa em estado de choque ficava daquela maneira tão... doente.
Faye estava longe de ser a mesma agora, sentada naquela cama. Era como outra pessoa.
Seus olhos estavam escuros e arroxeados, e sua pela estava pálida, transpirando. Estava sentada na cama, com as pernas por dentro do cobertor e as costas apoiadas em dois travesseiros.

Os olhos fixos na frente, na parede, sem enxergar. Não era como uma estátua; ela respirava normalmente, piscava os olhos e chegava a mexer os lábios. Mas permanecia exatamente na mesma posição, como se estivesse preso.

-Ela está passando por um surto psicológico. –A enfermeira disse, e Atom virou-se para olhá-la. –É muito comum em casos de perdas de familiares, testemunhas de acidentes ou assassinatos, e essas coisas.

-Mas o que está acontecendo com ela?

-Ela não está aceitando a notícia. –A mulher respondeu, com um suspiro, aproximando-se de Faye para trocar o soro. Só então Atom viu que em uma das mãos havia uma agulha, para que ela recebesse líquidos. -Foi demais para pudesse aceitar. Então ela criou um tipo de bolha ao redor de si mesmo. Se fechou para o mundo, numa forma de não absorver os acontecimentos. Numa última tentativa de se proteger.

-Então ela está assim porque quer? –Atom perguntou.

-Não. –A enfermeira balançou a cabeça. –Foi uma reação psicológica. Foi a forma que seu corpo achou para proteger a sanidade. É um leve surto temporário, comum em pessoas que perdem entes muito queridos, como eu já disse. Em alguns dias, no máximo semanas, ela voltará ao normal.

Atom sentiu as veias pulsarem de raiva. Estava ouvindo da enfermeira que a mulher que amava, que sempre fizera parte de sua vida, estava psicologicamente doente por causa da perda de Yoko.

Aquilo lhe machucava mais do que achara possível.

-Posso ficar alguns minutos a sós com ela? –Sussurrou, com a voz inexpressiva.

-Só alguns minutos. –A enfermeira respondeu. Consultou o relógio, deu mais uma olhada no paciente e se retirou, encostando a porta ao passar.

Atom aproximou-se da cama, esperando que Faye ao menos demonstrasse que estava sentindo sua presença ali; mas nada aconteceu, ela ainda encarava a parede calmamente.

-Faye? –Disse, sentando-se na beirada da cama e tentando buscar os olhos da mulher. –Pode me ouvir?

Nada.

-Faye. Você não pode ficar desse jeito, nesta cama de hospital para sempre. –Disse, mais dura e com raiva. –Isso não vai mudar o que aconteceu.

Pensou ter visto Faye piscar brevemente, mas foi tão rápido que ela não teve certeza.

-Você pode se fechar para o mundo o tempo que quiser, ignorar os fatos por meses, ou anos. Mas uma hora você vai ter que despertar, e seguir em frente. Não acho que Yoko iria querer você desta maneira. Era só isso que eu tinha a dizer. –Atom levantou-se e suspirou, frustrada, ao ver que suas palavras não tinham feito efeito. Acariciou o queixo de Faye. –Você ainda tem a mim. Não sei se você pode me ouvir, mas... eu te amo.

Faye piscou os olhos, calmamente, sem responder. Sem mais ter o que fazer, Atom virou as costas e saiu do quarto.

--*

Durante o dia, Yoko conversou bastante com Déa e Lux. Com todo aquele descanso, e comida, começava a se recuperar; não estava mais tão fraca, e agora queria permanecer o máximo de horas possíveis acordada.

Sentia-se um pouco perdida. Sem as pessoas que amava, sem saber onde estava e quando poderia rever seus pais.
Por outro lado, agradecia intimamente por ter pessoas tão gentis e maravilhosas ao seu lado, mantendo-a sã.

Déa era muito maternal. Yoko sentia vontade de ficar perto dela todo o tempo. Gostava de seu jeito. Talvez porque Phiangfa nunca fora daquela jeito... Yoko sempre sentira falta de ter uma mãe assim, que cuidava e protegia.
E Lux... à primeira vista, Yoko a achara fria. Talvez por sua expressão dura. Mas durante o dia de conversa, viu que Lux era uma mulher divertida.
Fazia-a rir sempre que podia, para que ela não se distraísse pensando em mais nada. Ela percebeu, e aquilo a encantou. Lux seria uma boa amiga.

Quando anoiteceu, os olhos dela começaram a pesar. Tinha conseguido levantar da cama rapidamente naquela tarde, com a ajuda de Lux. Fora um grande esforço para seus membros, que estava fracos há dias, e por isso estava cansada.

Deitou na cama, sorrindo ao ouvir as piadas que Lux fazia com a mãe na cozinha... aquele lugar era pequenino, mas incrivelmente aconchegante. Era um lar.

Água... Muita água... Podia sentir o sal passando por suas narinas, sufocando-a mais e mais.
A água salgada queimava seus pulmões.

Antes disso... Um helicóptero... Dois homens... Atom... Atom sorrindo... Um vôo tumultuado... Desespero, e o coração acelarado, ao ver que a irmã parecia fora de si, enquanto manobrava o helicóptero acima do mar.

O impacto das imagens foi tão forte que Yoko abriu os olhos, molhada de suor e com uma terrível vontade de vomitar. Sua cabeça girava.

-Não! –Sussurrou, em choque.

-Yoko? –Lux se aproximou de repente, preocupada com a palidez excessiva e a expressão congestionada da morena, que olhava ao redor tremulamente.

-Lux. –Ela ergueu os olhos grandes subitamente. –Eu me lembrei... me lembrei do que aconteceu. Não foi um acidente.

A expressão dura de Lux se acentuou quando ela sentou na beirada da cama, encarando-a.

-O que quer dizer? Do que se lembrou?

-Não foi um acidente. –Yoko repetiu, com a voz rouca e mais forte. –Tentaram me matar.

-Quem tentou te matar? –Lux insistiu um pouco incrédula.

-Minha irmã. Atom tentou me matar. –E Yoko não viu mais anda. Caiu desmaiada na cama.

-**

-Filha... filha! Acorde.

Yoko abriu os olhos lentamente, vendo tudo fora de foco. Respirou e sentiu algo forte entrar por suas narinas. Começou a tossir, quando Lux afastou o pedaço de pano com álcool que tinha colocado em seu nariz para que ela despertasse.

-Você está bem, minha querida? –Déa passou a mão pela testa suada da moça.

E então ela lembrou o porquê de ter desmaiado. Sentiu-se nauseada e pálida, e pediu para Déa a levar ao banheiro para que pudesse vomitar.
Quando voltou a se deitar, Lux lhe passou um copo d'água, com a expressão séria.

-Então é mesmo verdade o que você falou antes de desmaiar. –Ela afirmou.

Ela bebeu dois pequenos goles de água para se acalmar, e assentiu.

-Sim. Agora eu me lembro perfeitamente do que aconteceu. Até algumas horas atrás estava tudo em branco... eu não fazia ideia do que tinha acontecido. Mas adormeci, sonhei com o acidente, e acordei com as imagens vívidas do que aconteceu antes do helicóptero cair no mar. –Olhou para baixo, sentindo todo o corpo tremer. –Minha própria irmã...

-Meu Deus. E eu achei que já tinha visto as piores coisas neste mundo. Uma irmã tentando acabar com a outra. –Déa murmurou. –É inacreditável, um horror. Não sabe porque ela tem tanto ódio de você, Yoko?

A cabeça dela doía terrivelmente com a mais recente lembrança. Lembrara do que acontecera no helicóptero..., mas ainda faltavam pedaços. Sentia que ainda tinha coisas para lembrar, mas naquela momento não tinha condições de forçar mais.

-Eu me lembro dela começar a falar muitas coisas quando estávamos decolando. –Sussurrou. –Disse que sempre havia tido inveja de mim, que nosso pai sempre estava ao meu lado e não do dela... uma maluquice. –Balançou a cabeça, com uma terrível vontade de chorar. Mas não iria derramar nenhuma lágrima. Ao contrário. –Ela está fora de si, é a única explicação plausível.

-Fora de si, ou não, essa mulher é perigosa. –Lux comentou. –O que pretende fazer? Vai entregá-la à polícia?

-Não posso fazer isso. Não tenho provas, iria ser a minha palavra contra a dela. –Yoko suspirou, recostando-se na cama com seriedade.

-E então? –Déa perguntou, mordendo os lábios.

-Eu preciso fazer outra coisa. Preciso me manter segura, até conseguir ter alguma prova de que Atom tentou me matar e que não foi um acidente. –Yoko respondeu. –Se eu aparecer antes disso, vai ser burrice. Ninguém vai poder saber que eu estou viva... pelo menos, não até chegar a hora certa.

Lembrou-se do pai ede Susi... não queria fazê-los sofrer, pensando que estava morta. Queriavê-los, abraçá-los e mostrar que por um milagre conseguira sobreviver. Mas nãopoderia arriscar sua vida, nem a de pessoas que gostava... se Atom descobrisseagora que seu plano dera errado, não desistiria de armar contra Yoko, e sebobear, contra as pessoas que ela amava. Atom estava fora de si, e ela nãopoderia aparecer enquanto não formasse um plano para se defender.

De repente o coração dela acelarou... foi tão de repente, que a morena colocoua mão sobre o peito, estranhando.
Andava com umas sensações esquisitas. Seu coração aumentava de ritmo quandocomeçava a pensar na família e nos amigos, mas não era apenas por saudades...era como se fosse pela falta de algo. Como se faltasse uma parte de si, e nãose lembrasse.

-Querida. –Déa chamou sua atenção, e Yoko tirou a mão do peito, olhando-a.–Saiba que o que você decidir, estaremos com você.

-Pode contar comigo se quiser colocar sua irmãzinha má na cadeia. –Lux dissecom a voz dura.

Ela acabou dando um sorriso quase divertido.

-Obrigada. Mesmo. Vocês são as únicas pessoas com quem eu posso contar agora.

Meu TormentoOnde histórias criam vida. Descubra agora