Capítulo 33

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Faye dirigia depressa pela rodovia. Quase imprudentemente, cortando caminhos. Seu coração palpitava dolorosamente na ânsia de ver Yoko.
Tinha muitas perguntas na cabeça. Todas elas sem nenhuma resposta. Mas deixaria as conversas para mais tarde... depois que sentisse Yoko em seus braços mais uma vez e pudesse se convencer de que era real.


Yoko acabara de sair do banho, com uma toalha enrolada na cabeça, quando o celular tocou. Foi até a mesinha e apanhou o aparelho, distraída, sem olhar o número e achando ser Susi.

-Alô?

-Yoko. –Era sua mãe. Yoko demorou a reconhecer a voz, porque a voz de Phiangfa estava rouca e baixa demais.

-Mãe? Está tudo bem?

-Yoko. –Phiangfa repetiu, a voz um pouco mais alta. –É seu pai...

O coração de Yoko ficou preso em algum lugar da garganta, junto com o estômago. Prendeu a respiração.

-O que houve com meu pai? –Perguntou com a voz urgente.

-Chet teve um ataque cardíaco, Yoko. Eu estou no Hospital, e agora mesmo estão tentando reanimá-lo.

-Qual hospital? –Yoko perguntou com a voz séria, usando todas as suas forças para ficar em controle de emoções.

-San Diego.

-Estou indo para aí. –Yoko desligou imediatamente, arrancou a toalha dos cabelos, vestiu a primeira roupa que viu, apanhando a bola e saindo como um foguete do apartamento.

Quatro minutos depois, Faye subia pelo elavador de seu prédio, nervosa e com o coração palpitando.
Olhou-se no espelho do elavador e olhou seu reflexo bonita, enquanto arrumava os cabelos cor-de-mel para trás.
O elavador chegou e ela saiu, dirigindo-se à porta daquela apartamento que freqüentara tanto há vários meses, e que parecia que nunca mais veria. Mas ali estava ela novamente.
Bateu na porta e esperou, ansiosa. Parecia um adolescente indo visitar a primeira namorada, e não uma mulher de quase trinta anos.
Bateu novamente. Apertou a campanhia duas vezes num intervalo de três minutos.

-Não... Yoko, não... –Murmurou para si mesmo, batendo na porta. A possibilidade de saber que ela não estava em casa naquele momento era decepcionante demais.

Encostou-se na porta, com as mãos nos bolsos e olhar fixo no elavador. Ficou ali mais tempo, decidindo se ia embora ou se esperava ali o tempo que fosse necessário até que ela aparecesse.

Seu celular tocou, e Faye pegou no bolso da calça.

-Sim?

-Faye. Aqui é Susi. Amigo da Yoko, se lembra de mim?

-Lembro. –Faye franziu o cenho.

-Eu consegui seu número com Phiangfa. Achei que você iria querer saber... Chet sofreu um infarto e está no Hospital.

-O quê? –A morena desencostou da porta, atento e com o corpo rígido.

-Sim. Foi há menos de duas horas, muito repentino. Ela está no San Diego. Yoko já está lá, e eu estou a caminho. Parece que não estão deixando ninguém entrar.

-Eu vou cuidar disso. Estou indo para lá. Obrigado por avisar. –Faye desligou e saiu às pressas.

Yoko estava tremendo enquanto andava de um lado para outro no corredor do Hospital. De repente, um dos médicos saiu da sala de cirurgia e olhou-as com pesar.

-Podem entrar. O paciente quer vê-las.

-Então ele está bem? – Phiangfa perguntou, levantando-se e enxugando as lágrimas.

A expressão do médico fez o estômago de Yoko afundar.

-Seus batimentos estão fracos demais... ele não está bem. Eu aconselho, infelizmente, a se prepararem para o pior.

-Não! –Phiangfa voltou a chorar.

-Eu quero vê-lo. –Yoko disse com voz pesada e baixa.

O médico fez um gesto para que ambas passassem. Yoko foi a primeira a entrar. Seu pai... o homem forte, brincalhão, seu anjo da guarda, estava na cama do hospital como um fantasma.
Pálido demais... molhado de suor... fraco demais. A respiração parecia quase parada.
Ela abriu os olhos só um pouco quando as viu. Parecia que as pálpebras eram pesadas demais para levantá-las.

-Pai! –Yoko correu até ele, desesperada e fazendo seu máximo para não derramar lágrimas naquela hora. Não iria perder tempo chorando naquele minuto.

Phiangfa ficou ao pé da cama, com a mão cobrindo a boca para tentar diminuir os soluços que dava.

-Pai, não me deixe. –Yoko pediu, implorante, segurando as mãos do homem e encostando a cabeça em seu peito. –Por favor. Não me deixe. Você é forte. Vai superar essa.

-Yoko, querida, eu acho que desta vez não... –Chet sussurrou, a voz quase inaudível, mesmo que ele tentasse erguer o canto da boca num sorriso tranqüilizador.

Somente a possibilidade que seu pai desistisse, fez Yoko travar em choque. A possibilidade da vida sem seu pai lhe era absurda. Tão absurda, que Yoko sequer pensava que ela poderia piorar. Ela não podia fazer aquilo com ela. Não podia deixá-la. Não iria deixá-la, sabia disso.

-Não diga bobagens, pai. –Yoko o calou com um dedo, sem querer ouvir nada daquilo. Estava quase cobrindo os ouvidos para cantarolar alto como uma criança de cinco anos. –Vai melhorar. Isso foi só um susto.

De repente, Chet olhava por cima do ombro de Yoko. Ela acompanhou rapidamente seu olhar, e Faye estava ali na porta, parada, olhando-os.

-Unf! –Chet de repente pegou no peito com força, olhando para o teto.

-Chet! –Phiangfa gritou.

-Pai! –Yoko agarrou sua mão com força, olhando-o assustada.

-Ao menos... pude ver minha princesa mais uma vez. –Ela sussurrou, engasgado, olhando para Yoko. Depois fez um gesto para Faye se aproximar. A morena chegou do outro lado da cama, e Chet pegou a mão dela, junto com a mão pequena de Yoko, e colocou a de Faye sobre a dela. Deu um sorriso leve para Phiangfa... e se foi.

Os braços caíram, inertes, os olhos se fecharam e o aparelho de batimentos cárdiacos (que estava a muito pouco por minuto) finalmente apitou em verde.

-Saiam! –Três médicos entraram correndo, junto com uma enfermeira. –Saiam da sala, por favor.

-Pai?! –Yoko olhava para Chet com desespero, assustada... em choque.

-Venha, Yoko. –De repente Faye estava atrás dela, puxando-a por trás num abraço de ferro.

-Pai !–Yoko agarrou na camisa aberta que o pai usava, como um bebê agarra os dedinhos na camisa da mãe e não solta. Não queria largá-lo, murmurava coisas desconexas com os olhos arregalados, secos e sem lágrimas.

Phiangfa já tinha saído, em prantos, quando Yoko notou que Faye a tinha pegado no colo e a tinha levado para fora cuidadosamente, enquanto os médicos fechavam a porta para tentar reanimar Chet.
Mas era tarde. Yoko sentia a perda em cada extensão de duas artérias do coração.

Precisou de um tempo para notar que seu corpo tremia visivelmente. E precisou de mais tempo para perceber que eram soluços. Mas nenhuma lágrima saía.

-Ah filha! –Phiangfa veio abraçá-la.

Mas Yoko se desfez do aperto de Faye, e desviou do abraço da mãe. Totalmente perdida.

-Yoko. –Faye chamou, quando ela se afastou.

Ela ergueu os olhos, só então parecendo perceber que era ela quem estava ali. Naquela momento, Susi chegou, todo esbaforido.

-O que aconteceu? –Ela perguntou, mas ao ver a expressão de Yoko e o choro de Phiangfa, a compreensão passou por seu rosto. –Ah, não. –Ela fez sinal da cruz e foi apertar o ombro da morena. –Yoko, minha querida.

-Eu preciso... de ar. –Ela balbuciou.

-Yoko... –Faye foi atrás dela, com a expressão amena.

-Por favor. –Ela pediu, olhando-a nos olhos. E então virou as costas para sair do hospital.

-Deixe-a ir, Faye. –Susi murmurou. –Eu conheço Yoko. Ela precisa digerir isso. Precisa de um tempo sozinha. Você sabe como ela é, não gosta de demonstrar fragilidade demais.

Faye assentiu com a cabeça, seguindo-a com o olhar, louca para ir atrás.

-Sinto muito, Phiangfa. –Disse em seguida, apertando a mão da sogra.

-Vocês vão ficar bem. –Susi emendou, emotivo.

A dor da perda é uma das piores coisas que se sente. De repente, numpiscar de olhos, tudo acaba.
Já não está mais ali... de um minuto ao outro você tem que se acostumar com aidéia de que de agora em diante só haverão as memórias. Nunca mais ter contatocom a pessoa amada.
Yoko saiu do Hospital e pegou um táxi direto para casa. Não tinha condições deir dirigindo.
Durante todo o trajeto, foi em silêncio. Absorvendo lentamente a notícia. Aindasem acreditar.
A única pessoa que estivera ao seu lado a vida inteira. Que lhe dera apoio,compreensão. Que lhe fazia rir sempre que estava triste. Que lhe defendia. Asparedes que a seguravam desde a infância.
De repente, tudo acabado. Já não tinha mais aquilo.

-Chegamos, moça. –O taxista murmurou. Yoko nem havia percebido. Pegou umaquantia qualquer de dinheiro (provavelmente à mais), passou ao homem e saiu docarro, quase aos tropeços.

Subiu pelo elavador, de cabeça baixa. Entrou no apartamento e foi direto para oquarto, mexer no fundo de seu armário, onde haviam vários álbuns de foto.
Pegou a foto que procurava. Ela e Chet quando ela tinha dez anos. Ele acarregava nas costas, de "cavalinho", com cara de brincalhão. Yoko tinha umsorriso enorme, rindo, os cabelinhos pretos e lisos voando.
E foi quando a notícia pareceu cair, finalmente. Lentamente, lágrimas começarama se acumular nos olhos dela. Lágrimas pesadas, com o peso de um rio. Começarama escorrer pelas bochechas como se arranhassem. A garganta de Yoko era um bolode nós.

-Pai. Eu sinto muito não ter passado os últimos meses com você. Você sempre foia coisa mais importante para mim. –Disse, olhando para a foto, começando a soluçar.

Deitou no chão, em posição fetal, como um bebê, apertando o peito com força. Adormeceu ali, com o rosto manchado de lágrimas, segurando a foto.

Meu TormentoOnde histórias criam vida. Descubra agora