11- Medos atemporais

432 53 18
                                    

Minha quarta-feira foi longa, sem violão para tocar, sem trabalho para ser feito, sem treino para supervisionar, apenas malas para arrumar, lista de objetos para fazer, vídeos para revisar e tudo de mais chato que existe.

no fim da tarde fui tomar banho e lavar o cabelo, antes de finalmente poder guardar meus produtos. Antes de poder ir jantar recebi uma ligação da Fiorella, atendi rapidamente, faziam dias que ela não me dava sinal de vida.

Alô? Ella, finalmente! Estava preocupada — Falei sorrindo, mesmo que ela não pudesse ver.

Oi Léo, estou bem, não se preocupa! — Ela diz meio baixo, parecia triste.

Ella, quando vamos poder nos ver? Você vai estar em Paris né?! — Disse normal.

Ah, claro, temos que ver um dia, mas eu preciso que você esteja tranquila quando formos nos ver, tenho algo bem importante para te falar — Ela diz séria e eu fico mais confusa ainda.

Fiorella, você tá bem? Porque, tudo bem eu vou estar tranquila, só não estarei se você continuar estranha assim. Fico preocupada! — Disse e a ouvir rir baixinho.

Eu estou bem Léo, tô melhor que nunca, eu só me preocupo por você, mas eu espero que você me entenda, enfim, preciso ir, tchau! — Ela solta tudo de maneira rápida e desliga antes que eu pudesse falar algo.

Estou genuinamente preocupada com Fiorella, ela sempre foi a pessoa que se preocupou comigo, mas sempre tentou não me passar preocupações, mesmo quando estava passando por coisas ruins. Ella foi uma das poucas pessoas que eu consegui manter ao meu lado quando estava com Letizia. Essa história de que ela tem algo "sério" para me contar não me convence, se fosse algo como doença, ou morte, ela já teria me contado, nunca me colocaria num momento de manter uma ansiedade por algo tão sério. Isso significa que é algo importante para mim, mas não é arriscado para ela, isso não faz sentido, não consigo pensar em nenhuma situação onde eu ficaria preocupada com algo e Fiorella não estaria em perigo.

Jantei mais uma noite com apenas algumas das meninas, voltei para meu quarto para descansar. Hoje o dia não foi dos piores, mas foi exaustivo, não pude sair porque estava atarefada com minha cabeça me mandando mil e uma tarefas para eu lembrar de fazer. Sem contar os pensamentos intrusivos que me fazem fazer caretas, a voz no fundo da minha cabeça que diz para eu mandar mensagem para a Gabriela ou ir bater em seu quarto. Em grande resumo, minha cabeça está a mil com a ansiedade, como eu já havia previsto, mas meus desejos carnais são mais importantes.

Me reviro na cama sem conseguir dormir, pego meu kindle para ver se lendo eu consigo cansar meu cérebro. Spoiler não funcionou. Olho para a data e congelo. 17 de Julho de 2024. Daqui, exatamente, um mês fará 12 anos que minha mãe faleceu.

Me levanto da cama e ando até minha mala de mão, abro-a e pego meu diário, no interior do compartimento de plástico que tem ali, feito para colocar folhas, tiro minhas três fotos favoritas de mim com minha mãe.

A primeira foto é preto e branco, eu estou sentada de pernas cruzadas no chão, minha mãe está sentada no sofá da sala da casa do meu pai. Minha mãe está com uma cara de concentração máxima, está com um pente separando meus cabelos, e trançando-os em nagôs, minha feição é sorridente. Viro o verso da foto e vejo a data – 05/03/2006 – Dois dias antes do meu aniversário de 9 anos. Junto da data a dedicatória que já li 1001 vezes – Trançando o cabelo do amor da minha vida, Mariê Leone, enquanto o bobo do pai dela faz palhaçada. Eu mereço esses dois. Com carinho (e muito muito amor) mama Marj.

Meus olhos enchem de lágrimas, e então eu passo para a próxima.

Já na segunda eu sou mais nova ainda, eu devo ter meus 5/6 anos. Estou sentada em um banquinho, segurando um ukulele, minha mãe sentada no chão com um violão. Ela parece me mostrar um acorde, eu olho para ela com a mão na sua perna enquanto a outra aponta para a direção da câmera. Minha mãe está sorrindo olhando para mim, seus olhos brilham, ela era tão jovem e bonita. Viro a foto e dessa vez é uma dedicatória do meu pai. "Meu (quase) amor ensinando meu amor maior a tocar uma cantiga no violão. (mas a pequena ama demais o pai e não tira os olhos dele)". O parênteses da frase estava riscado e tendo uma seta puxando para baixo "obs: Não é fácil quando o besta do pai não para de fazer gracinha e chamar o nome da criança. Ass: Mama Marj.".

A Resiliência da Alquimia | Gabi GuimarãesOnde histórias criam vida. Descubra agora