16- Eu consigo.

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Meus colegas de quarto têm sido cruciais para me fazer esquecer um pouco da minha vida caótica. Hoje, por exemplo, eles aceitaram meu convite para ir andar e achar um grupo de brasileiros zoando pelas ruas de Paris. Meu tio está muito empenhado em ajudar a transformar Paris em baile, hoje ele me convidou a ir porque aparentemente vai fazer algo como um sambinha de rua, ou baile, não sei muito bem, mas o que importa é que estamos indo juntos, e a perspectiva de me envolver nessa nova aventura está me dando um alívio bem-vindo das preocupações diárias.

— Tá linda, hein, Léo! — Rafa diz e eu sorrio. Estava arrumadinha, com uma camiseta do Brasil, saia jeans e coturno, básica mas bonita.

— Você também tá linda, Rafa! — Elogiei a mais velha que usava um vestido fluído mid estampado, muito bonito, seu cabelo castanho naturalmente com leve ondas estava meio preso com uma prendedor de cabelo, e um mocassim off-white — Francisco, pelo amor de deus, se apressa — Pedi batendo na porta do banheiro.

Chico saiu do banheiro com seus cabelos definidos, vestindo uma camiseta do brasil também, e uma bermuda preta e um tênis.

Finalmente estávamos a caminho para encontrar meu tio ali perto.

— Pai!? — Perguntei chocada ao ver o mais velho com meu tio, ainda mais que ele usava uma camiseta do Brasil.

— Perdi uma aposta com o Jordane, agora tenho que usar uma camiseta do Brasil por 4 dias — O italiano diz enquanto me abraça e eu rio. — Pai, Jords, esse é o Chico e a Rafa, meus colegas de quarto e profissão. Chico, Rafa, esse é meu pai e meu tio — Os apresentei e eles se cumprimentaram.

Fomos andando pelas ruas, realmente tinha muitos brasileiros pelas ruas, encontramos um aglomerado muito legal. Pessoas felizes, fazendo arruaça, estava sendo divertidíssimo. Rafa e eu estávamos tentando ensinar o Francisco a dançar e meu tio tentava ensinar meu pai.

A roda tocava funk, quando chegou um grupo com instrumentos e tudo virou um emaranhado de músicas em sequência. Meu tio sumiu e eu estava um pouco cansada e fui descansar no meio fio com a minha coca-cola na mão.

Com licença! — Ouço uma voz feminina falando em francês. Uma mulher, muito bonita, ela é asiática, usa um vestido com uma estampa diferente, meio tie-dye com uma borboleta no peito, um coturno, e eu acho que os maiores acessórios eram suas tatuagens espalhadas pelo braço e até algumas na coxa.

Sim?! — Perguntei em francês também. Sorri levemente.

Você não é a menina da banda de Rouen que cantou "Florida!!!" — Ela perguntou e eu fiquei meio pasma.

Sim, sou eu — Respondi sorridente e me levantei.

Nossa, desde que eu vi aqueles vídeos de você cantando eu não consigo parar de ver seus vídeos, você é muito talentosa! — Ela me elogia com a mão no meu ombro. Eu sorrio agradecida e um pouco sem jeito.

Brigado! Que bom que você gostou! — Agradeci, não sabia muito o que dizer. Graças a deus ela desenvolveu a conversa, e acabamos ficando um bom tempo conversando, ela era Swiftie, artista, tava sendo legal conversar com ela, aparentemente a gente tinha muito em comum. Em dado momento eu acho que a gente acabou começando a flertar meio despretensiosamente, bom até meu tio vir me chamar muito eufórico dizendo que eu tinha que ir com ele. Eu chamei-a para ir comigo, quando cheguei no meio da galera Rafaela estava muito feliz numa espécie de, sei lá, competição?

— Que porra está rolando aqui? — Perguntei rindo.

— Rafa pediu para te chamar, porque inventaram uma competição para ver quem consegue acompanhar as cantoras que eles tão tocando ali — Chico explica e eu rio.

Eles queriam que eu fosse ir lá, meu pai começou a conversar com a minha recente amiga, até porque ele era o único ali que conseguia, ela ria e começou a tentar me convencer também. Fui vencida e me juntei com Rafa, ela ficou super feliz e desistiu da vez dela por mim. Tinha muito brasileiro ali em volta, por um segundo meu medo tomou conta e eu fiquei gelada de imaginar meu português falhar. Fechei as mãos apertando a palma e cerrando a mandíbula, tentei respirar fundo.

Chegou minha vez e o homem que estava ali organizando a brincadeira perguntou um número e eu pensei e respondi meu número da sorte: 6.

— "Não deixe o samba morrer" da Alcione, sabe? — O moço de nagô diz e eu gelo. É claro que eu sei, mas a anos eu não canto essa, eu cantava essa direto com a minha mãe, era nossa música de churrasco. Respirei fundo e afirmei.

Estranho estar cantando essa, mas quando eu abro minha boca para cantar as pessoas a minha volta viraram e entraram no clima. O pessoal que estava tocando foi me incentivando e eu criei confiança e quando eu vi eu estava cantando e dançando.

Quando terminei fiquei super tímida quando eles me aplaudiram. Isso era estranho, desde que me mudei para Itália me acostumei a ser uma pessoa invisível, ninguém nunca prestava atenção em mim, quando eu comecei meu canal eu fiz porque sentia falta de mostrar meus talentos para o mundo de forma orgânica, porque desde que comecei a ter meus dias na Europa eu só me sentia minimamente assistida e vista no teatro enquanto estava no palco, por conta disso desde que sinto que estou sendo vista por pessoas que nunca me viram, os brasileiros, é estranho, principalmente porque eles admiram meu talento de forma natural, sem que eu precise estar em um palco, com uma banda profissional. À alguns dias eu estava num palco, com uma banda, com ponto, com um microfone, tendo ensaiado, me apresentando, e então finalmente fui vista. Mas agora eu estou na rua, com meia dúzia de pessoas tocando instrumentos, numa roda de desconhecidos, com um microfone de caixa de som, no meio da rua, e eu me sinto mais apreciada que nunca, isso é maluquice!

Continuei ali naquela roda com a minha amiga francesa, mostrando a ela nossa cultura. Ela sorria e falava que ela mora no final da rua, e como ela ficou curiosa para saber o motivo de tanta felicidade dos brasileiros. No fim da noite nós nos seguimos no Instagram, onde descobri que ela era uma pequena influencer local, admirei seu trabalho, mas nada demais, amanhã possivelmente nem me recordarei seu nome, mas foi legal essa troca de energia entre muitos brasileiros, uma ítalo-brasileira (eu) e uma francesa que nunca se quer tinha tido contato com o Brasil desse jeito.

Voltei para a Vila Olímpica com meus amigos, era relativamente cedo, nos desarrumamos e dormimos, afinal na sexta de manhã tínhamos treino, mas conseguimos aproveitar demais.

Estava muito feliz, satisfeita com a vida que estou tendo nos últimos dias, desde meu período em Minas, o período no Rio de Janeiro, e agora em Paris.

A Leone de novembro de 2023 olharia para nós com um orgulho profundo. A Leone de 2024, por outro lado, sente uma alegria genuína e um orgulho ainda maior por eu ter conseguido manter a vontade de viver. Esses pequenos momentos, que muitas vezes parecem gigantescos dentro de mim, me proporcionam uma sensação de renovação e entusiasmo. Às vezes, sinto como se estivesse vivendo em um sonho tão perfeito que me pego me beliscando para confirmar que é real. É uma experiência incrível ver como, após o tormento e as dificuldades que enfrentei, estou agora vivenciando momentos tão gratificantes. Cada experiência positiva é um lembrete de que, apesar de tudo o que passei, a vida continua a oferecer beleza e felicidade.

Como diria Taylor Swift: "'Cause I'm a real tough kid, I can handle my shit..."

A Resiliência da Alquimia | Gabi GuimarãesOnde histórias criam vida. Descubra agora