43. Um coração que sangra, parte 4

27 5 1
                                    


Archie

Sento-me no banco experimentando uma sensação amarga na boca.

O que acabei de fazer? Ainda consigo ver o rosto assustado da mulher depois que agarrei o seu braço. Devia ter ido direto para o estacionamento depois que Kenneth me liberou, mas como decidi dar uma volta em torno da quadra, acabei cometendo um engano.

Como posso ter pensado que aquela mulher era a Kalissa?

Ela se foi, ninguém volta dos mortos.

Sei que, mesmo depois de ter pedido desculpas, a mulher continuará receando pela aproximação de outras pessoas, porque coloquei esse medo em sua cabeça. Que belo bastardo eu sou.

Baixo a cabeça, apoiando os cotovelos em minhas pernas e sorrio, apesar das lágrimas descendo por meu rosto. Ninguém nunca me disse que demoraria tanto para eu me sentir meio inteiro de novo.

Todos os pedaços que a minha família tenta reunir estão caindo aos meus pés.

É minha culpa? Sou aquele que está se segurando a dor porque não quer enfrentar outras situações? O que eu deveria fazer agora? O burburinho das pessoas passando por mim e falando acerca do que veem me incomoda, mas tenho a sensação de que se me levantar agora será ainda pior.

A confusão em minha mente é demais para que eu una a ideia de que preciso sair daqui para evitar os comentários com o tempo que levaria para chegar até o estacionamento. Com certeza seria mais fácil chorar escondido dentro do meu carro.

Será que tem algum repórter esperando por um furo de reportagem hoje?

Me assusto momentaneamente quando tenho minha cabeça coberta pela jaqueta, cheirando a mais do que perfume feminino. Tem um odor forte de tinta escapando dela. A dona se senta do meu lado e fica em silêncio, sem fazer nenhuma pergunta.

Talvez por me sentir mais confortável com a ideia de que ninguém vê o meu rosto agora, meu choro fica mais intenso a ponto de minha garganta queimar e meu nariz entupir. Essa é a terceira vez que choro desde a morte de Kalissa, quem sabe esse seja o motivo para ter tanto a chorar.

Diferente dos outros membros da nossa família, engoli muita das emoções tentando evitar que me vissem como uma abertura para fazerem mais notícias sensacionalistas acerca do que acontecia conosco.

Nenhum desses desgraçados digitando em um teclado enquanto sorriem pela chance de obterem mais visualizações no que escrevem sabem o quanto eu amava a minha irmã. Quem deles entenderia a dor me congelando agora?

A noção de tempo se perdeu em meio a minhas lágrimas, entretanto, ainda posso ver as botas pretas da pessoa que se sentou do meu lado. Não proferiu uma única palavra, apenas ficou ali, esperando. Jamais pensei que isso me deixaria confortável.

— Aqui, coma, vai te ajudar a não começar a chorar de novo — fala, me dando algo embrulhado em papel alumínio. — Depois de chorar, é sempre bom comer. Também é um bom truque para não chorar — explica e, apesar de não entender, sigo o que a voz me diz.

Desembrulho o que me entregou e noto que não é nada além de pão com pasta de amendoim, entretanto, como, e a doçura não tem o efeito esperado em meu corpo, já que mais lágrimas rolam pelo meu rosto.

Ela continuar em silêncio agora é um pouco estranho.

Por algum motivo sinto que deveria ouvi-la falando mais vezes.

— Obrigado — digo, mas não ouço qualquer mudança vinda dela.

— Não precisa agradecer, é normal ajudar alguém que precisa — murmura e o peso de sua mão em minha cabeça é somente para puxar o tecido de couro para cima, escondendo ainda mais do meu rosto.

Posso não saber o porquê da sua ação, mas imagino os motivos.

Ninguém pode ver o meu rosto, mas com certeza se perguntam o porquê dessa cena. Quero sair daqui, mas consigo? Mordo mais do pão que me deu e paro de mastigar após o peso da sua mão começar a bater levemente em minhas costas.

— Tudo bem chorar — professa as palavras com cuidado. — O que tem que fazer depois de chorar é o que é importante. Precisa decidir se será puxado para baixo por suas lágrimas ou se as usará para ficar mais forte.

Termino de comer o que recebi, amassando o papel alumínio entre os meus dedos.

— Não tem muito que eu possa fazer por você, mas espero que se lembre de que uma vida não é feita somente de tempestades. O sol vai nascer de novo — me garante. — Mas agora preciso trabalhar — conta-me e me sinto um idiota quando a paro, fazendo com que não se levante devido à mão em sua perna. — Quer ir comigo?

Não entendo por que teve essa ideia, ou porque a parei. Entretanto, ela voltou a dar batidinhas em minhas costas. Fica em silêncio por vários segundos tortuosos, já que não respondi à sua questão.

— Como tem muitos curiosos, é melhor que continue cobrindo o rosto — me avisa e traz a sua mão até meu braço e desce por ele devagar até alcançar minha mão. — Se não se importa, eu te guio.

Após ouvir suas palavras, segurei em sua mão, como se dedos tão finos fossem a corrente mais firme que vi nos últimos meses. Não consigo impedir minhas ações. Apenas a sigo. Jamais pensei que agiria dessa maneira com outra pessoa além da minha família.

Todos dizem que me tornei mais frio. São comentários comuns feitos pelos meus funcionários, e meu direito de criticá-los se perdeu depois de discutir inutilmente com um deles, extravasando uma raiva que ele não merecia receber.

Fui um completo babaca.

Algo em mim quer me impedir de agir desse modo com ela também.

Uma parte minha diz que devo aceitar a sua gentileza, porque não sei quando outra pessoa me oferecerá uma mão sem que tenha intenções maliciosas escondidas entre duas ações.

Sim, tudo o que tenho que fazer é segui-la por um momento e ficarei mais longe de qualquer um que possa ter visto o meu rosto antes que me cobrisse. Após isso, posso apenas encontrar meu carro e chorar o quanto precisar dentro dele.

Um ceo em minha vida | EM ANDAMENTOOnde histórias criam vida. Descubra agora