41. Um coração que sangra, parte 2

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Archie

— Levanta — manda Ane, mas apenas viro para o outro lado e ignoro o seu pedido. Não quero ir para lugar nenhum hoje, só ficar na minha cama é o bastante por enquanto. — Archie, se você não sair da cama, vou jogar um balde de água na sua cabeça.

— Me deixa em paz, Ane — peço, me sinto um babaca por reclamar com ela dessa maneira quando está somente tentando me ajudar, mas hoje é um péssimo dia. Quero só dormir para que ele passe sem que eu veja.

— Não posso, você é meu irmão e eu te amo — declara, também a amo, nunca negaria, entretanto, agora sinto mais raiva da sua tentativa de me tirar da cama do que do amor que cultivamos como família.

— Me deixa — repito, no entanto, acabo me virando ligeiro, um instinto automático depois dela dar uma mãozada nas minhas costas. O local arde, todavia, é menos doloroso do que o meu coração. — Que caralho, Ane.

— Levanta — ordena, dessa vez, no segundo em que vejo o seu rosto e como ele se contorce estranhamente enquanto ela tenta não chorar, me sinto comovido a acatar a sua ordem.

Contudo, mesmo que deseje, meu corpo quer que continue deitado.

— Merda, Archie, eu preciso que você se levante, eu preciso de você — fala as palavras desesperadas. As suas lágrimas não são contidas e dessa vez, quando sua mão acerta meu peito em cheio sinto que algo foi deixado para trás depois que a retirou.

Com pouca noção do que ela teria a me dizer com tanto desespero, seguro o papel fino e de tamanho estranho. No segundo em que meus olhos veem o que tenho em mãos, o meu corpo se ergueu sozinho.

— Ane — murmuro e ela chora demais para conseguir me dar qualquer resposta. Aproveita-se que estou sentado para se jogar contra mim. Com a testa apoiada contra o meu peito, deixa que seu choro flua sem parar.

Com uma mão apoiada em suas costas, verifico novamente o que tenho em mãos. Isso é um ultrassom. Mesmo que nunca tenha colocado os meus olhos em uma antes, sei o que estou vendo.

Ane chorou até que não houvesse mais lágrimas a serem derramadas. Em alguns momentos, chegou a me estapear e permiti que fizesse, se isso aliviará o seu coração, não tenho motivos para negar nada a ela.

— Ane, por que está chorando tanto, isto não é uma boa notícia? Não faz tanto tempo que se casou, mas... — trinco o maxilar experimentando uma ardência no lugar onde ela me acertou com força. — Por favor, não chore — peço, apoiando minha mão em sua cabeça. — Não faz bem para o bebê chorar tanto.

— Como vou dizer para eles, Archie? — Me pergunta e percebo que não sou o único carregando uma culpa desnecessária. Bom, mesmo que a minha terapeuta não tenha dito essas palavras exatamente, todo o seu modo rebuscado de falar me fez entender desse modo.

— Só tem que falar, Ane, eles...

— Ela se foi, não tem nem um mês direito, Archie, eles ainda choram todos os dias e... — Suas palavras são engolidas pelos soluços que seriam a abertura para um caminho repleto de lágrimas outra vez, mas de fato chorou tudo o que tinha, assim apenas soluça.

— Tem medo de que inventem histórias sobre você, como fizeram comigo? — Pergunto a ela. Somente me lembrar do que os blogs de fofoca têm falado sobre mim me irrita. A mera ideia de que fiquei feliz pela morte da minha irmã somente porque me tornei o único controlando o negócio da nossa família me enfurece.

Criaram uma imagem distorcida de mim, quando eu preferia voltar a ser pobre a perdê-la. Se eu assumi as funções que pertenciam a ela, foi por nossos pais não conseguirem. É doloroso para mim, mas tudo que ela construiu ruiria se ninguém gerenciasse os danos.

Este pensamento é o que me obriga a sair da cama.

— É uma boa notícia, Ane, não precisa chorar por conta disso — falo, mas acredito que eu não sei usar as melhores palavras. O que faria o seu coração se sentir mais calmo?

Como posso escolher as melhores palavras quando não tenho o poder de ajudar a mim mesmo? Tudo que ouvir de mim pode soar apenas como desculpas de outra pessoa ferida.

— Vou te ajudar, vamos chamar o seu marido, reunir a nossa família e contar, certo? — Minha irmã não fala, apenas meneia a cabeça concordando. Com certeza, não esperava que ela viesse até mim pedindo esse tipo de ajuda.

No entanto, a pessoa a quem ela recorreria não está mais entre nós. Kalissa era aquela que nos ajudava com todo tipo de problema. Podia arranjar as melhores soluções. Se ainda estivesse aqui, é provável que Ane estivesse chorando de alegria e não por medo de dar a notícia à nossa família.

— Conte comigo — peço a ela, mas me sinto como o criador de uma ilusão que se romperá em algum momento. Não curei as minhas dores, mas quero ajudá-la a cuidar das suas. Como isso pode dar certo?

Preciso fazer com que a situação corra bem de alguma maneira.

Entendo que Ane tenha medos que eu nunca poderei entender, mas nossos pais nunca desamparariam a sua filha por conta do luto. Todos estamos sofrendo. Alguns já estão melhores que outros, mas a dor também é uma parte que nos une agora.

Acreditar que, em algum momento, aquele amor que nos fazia sorrir voltará a se mostrar como uma luz que brilhará sobre a nossa família é a única coisa que permite que alguns se mexam nos dias mais difíceis.

É incrível como um acidente pode arrancar o que você mais ama.

— Tudo bem, Ane, estou aqui, vou continuar aqui — asseguro a ela, apesar de minhas palavras soarem sombrias demais. Quero usar um tom mais terno, mais caloroso, mas tudo o que consigo é refletir o que tem machucado o meu coração.

Quanto tempo mais durará é o que eu não sei.

— Estou aqui — repito, preciso falar quantas vezes for necessário, não somente para acalmá-la, mas para me lembrar de que estou aqui também.

Um ceo em minha vida | EM ANDAMENTOOnde histórias criam vida. Descubra agora