just wanna let this story die, and I'll be alright

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Eu estava sentada em frente à janela da sala, na poltrona de sempre, com Sombra enroscado no meu colo, seu pelo preto contrastando com a luz pálida que entrava. Era dia 31 de dezembro de 2023. Mesmo sendo verão, o clima estava estranho, frio, e a chuva não parava de bater na vidraça. O sol começava a nascer timidamente, mas eu sabia que aquele seria mais um dia cinzento. Não dormi nada na última noite. Me revirei na cama até as quatro da manhã, quando desisti e decidi levantar.

Acariciei Sombra suavemente, sentindo o calor dele contra meu corpo gelado. "Hoje tá aconchegante, né?" falei baixinho, como se ele fosse me responder. Ele miou, ronronando em resposta, e eu forcei um sorriso.

Por fora, o dia estava calmo, mas por dentro eu estava em pedaços. Minha mente não parava de me arrastar de volta para aquela noite. O casamento de Maju. Eu e Lucas, dançando na chuva, sozinhos naquele jardim. Parecia cena de filme, mas a realidade era outra. Eu ainda conseguia sentir o gosto do beijo dele, a intensidade com que nossos lábios se encontraram. Por um momento, me entreguei completamente, como se nada mais existisse. Mas assim que nos separamos, eu fugi. Simplesmente fugi.

Por que eu fiz isso? Eu me perguntava isso todos os dias desde então. Os sentimentos vieram com tanta força que me derrubaram. Passei dias tentando entender de onde vinha aquela avalanche. Então, tudo voltou de forma tão abrupta que parecia um soco no estômago. Eu me lembrava. De tudo.

Contei pra Maju. Ela já sabia, é claro. Mas pelo jeito que falou, eu soube. Lucas sofreu. E muito. Ele se culpava por tudo. Por mim, pelo acidente, por ter me perdido uma vez e depois de novo, como se o universo estivesse brincando com ele. Mas agora era diferente. Não parecia ter mais volta.

E eu... eu me sentia horrível. Como eu pude culpá-lo? Eu ainda me lembrava da expressão dele quando pedi para que ele me deixasse em paz. Aqueles olhos, cheios de dor, confusão... e eu não via isso na época. Só sentia minha própria raiva. Agora, essa culpa me consumia. A dor emocional era tão intensa que às vezes parecia física.

O relógio na parede marcava seis e meia da manhã. Era um novo dia, mas nada parecia novo pra mim. O mesmo peso no peito, o mesmo vazio. Eu olhei de novo para a janela. O sol agora aparecia tímido entre as nuvens, mas isso não trazia nenhum alívio.

Sombra se espreguiçou em meu colo antes de descer suavemente e ir até a cozinha, onde a fonte de água fazia seu barulhinho constante. Fiquei ali parada por um segundo, observando o espaço vazio que ele deixou. Um reflexo do que eu sentia por dentro. Levantei, finalmente, e segui para a cozinha. Decidi preparar algo para o café da manhã, tentando ignorar o caos na minha cabeça. Fiz uma torrada e um café forte. Passei a manhã inteira jogada no sofá, mergulhada em séries que já nem prestava atenção, apenas deixando o som e as imagens me distraírem um pouco.

Minha mãe havia passado o Natal aqui, mas voltou para Ilhabela dois dias depois. Foi bom tê-la por perto, mas... ela também precisava do espaço dela, e eu não ia prender ninguém com minha melancolia.

Por volta da uma da tarde, fui para o quarto. Estava cansada de fingir interesse na TV. Me joguei na cama e peguei o celular. A tela acendeu, e uma notificação de mensagem apareceu. Abri o aplicativo e vi que era da Maju.

"Maju: vem pra caaaaa – às 13h25"

Ri sozinha. A Maju sempre cheia de energia, mesmo quando eu não estava exatamente no clima. Rolei os olhos, mas sabia que, no fundo, gostava do jeito que ela tentava me tirar do buraco. Antes que eu respondesse, mais uma mensagem chegou.

"Maju: traz o Sombra – às 13h25"

Parei um segundo. Sombra odiava viajar. Eu não ia torturar o bichinho assim.

"Vero: ele fica muito estressado, de ônibus sem condições. – às 13h26"

Em segundos, Maju já respondeu. Eu quase podia ouvir a impaciência dela no tom da mensagem.

Tão Perto | Lucas InutilismoOnde histórias criam vida. Descubra agora