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Hinylle nunca conheceu os sonhos comuns de uma jovem de sua idade. Aos 24 anos, suas horas eram preenchidas pela responsabilidade de ajudar os pais na administração da escola particular da família, uma instituição modesta que mal conseguia se manter de pé, mas onde cada detalhe era cuidadosamente moldado por sacrifícios silenciosos. Era um verdadeiro malabarismo: de manhã, desempenhava o papel de coordenadora, vice-diretora e secretária; à tarde, tornava-se professora para crianças pequenas; e, entre cada tarefa, ainda se esforçava para responder às mensagens que chegavam. Entre essas camadas de obrigações, Hinylle era o eixo invisível que sustentava toda a estrutura.

Sua vida era uma roda-gigante de trabalho, casa e igreja, uma rotina rígida que se tornava cada vez mais exaustiva. O cansaço se acumulava como nuvens de tempestade, e, apesar dos esforços coletivos, a escola parecia sempre à beira do colapso. A cada novo amanhecer, as responsabilidades a oprimiam e a tristeza se instalava em seu coração. Hinylle sentia como se a vida estivesse escorregando entre seus dedos, cada gota de sua essência sendo sugada pelo peso esmagador de suas obrigações.

Na manhã de uma segunda-feira de outubro, uma bruma de apatia envolvia o ar. A luz suave do sol filtrava-se pelas cortinas, mas, dentro de seu quarto, tudo permanecia em um silêncio inquietante. Seu pai, ao entrar no ambiente, notou que Katherine, sua irmã mais nova, já se arrumava apressadamente para a escola. No entanto, Hinylle permanecia imóvel, deitada sob os lençóis. A princípio, ele pensou que a filha finalmente havia encontrado um momento de descanso, mas a paciência da mãe se esgotou rapidamente, e ela entrou no quarto com o olhar determinado de quem não tolera atrasos.

O que aconteceu a seguir foi um choque profundo que se transformou em um pesadelo. Nenhum chamado, nenhum toque poderia despertá-la. O rosto de Hinylle exibia uma tranquilidade assustadora, como se estivesse apenas em um sono profundo, mas um silêncio gélido invadiu o ambiente. Sua mãe caiu de joelhos, gritando o nome da filha, enquanto Katherine, paralisada pelo terror, sentiu seu coração apertar. O pai, tentando manter a compostura, pegou o telefone, as mãos tremendo ao discar para a emergência, sua voz embargada revelando o desespero que mal conseguia conter.

E foi nesse momento de desespero que Hinylle observou tudo, mas não da maneira convencional. Era como se estivesse fora de seu corpo, uma espectadora de sua própria morte. Uma dor profunda a envolvia, um aperto no peito que parecia não ser físico, mas uma ferida emocional que a consumia. Ela queria gritar para os pais, queria alcançá-los e assegurar que estava ali. Mas o mundo ao seu redor começou a desvanecer em sombras, e logo tudo se transformou em um vazio profundo, um silêncio absoluto que a envolveu como um manto pesado.

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De repente, um estrondo cortou o ar, como se o próprio destino tivesse decidido intervir. Hinylle abriu os olhos, respirando fundo como alguém que despertava de um pesadelo intenso. Mas o que viu não era seu quarto simples e familiar; era um lugar que parecia saído de um conto de fadas. O ambiente ao seu redor era deslumbrante, adornado com cortinas de veludo e móveis talhados com detalhes dourados. Cada peça parecia pertencer a uma realeza distante, como se estivesse em um palácio de uma época esquecida.

O som que a despertou era de uma janela batendo violentamente contra a parede, lutando contra o vento que soprava lá fora. O céu se preparava para uma tempestade, e Hinylle, ainda atordoada, levantou-se para fechá-la. Assim que conseguiu, algo ao seu lado capturou sua atenção: um espelho grande, emoldurado em ouro. Ao olhar para seu reflexo, seu coração disparou.

A figura que a encarava era... diferente. A beleza que irradiava era quase sobrenatural. Seus cabelos longos e negros caíam até as coxas, e seus olhos, de um vermelho vibrante, brilhavam como rubis que escondiam segredos inatingíveis. Sua pele, alva e delicada, contrastava com a intensidade de seu olhar. Era como se estivesse diante de uma personagem de uma lenda antiga, alguém cuja beleza transcende o humano.

"Eu... estou morta?" - a pergunta escapuliu de seus lábios, trêmula, como um eco distante, enquanto tentava decifrar a realidade que a envolvia.

Foi então que a porta do quarto se abriu, revelando uma jovem mulher que entrou apressada. Ela usava um vestido simples, mas a expressão em seu rosto era de profunda emoção. Seus olhos se encheram de lágrimas ao ver Hinylle de pé, viva. Em um impulso incontrolável, a jovem correu até ela e a abraçou com força, chorando e rindo simultaneamente.

"Senhorita! Não posso acreditar... você acordou! Depois de todos esses anos..."

Hinylle, ainda atordoada, tentou afastar-se, mas a fraqueza a impediu. "Poderia... poderia me soltar? Quem é você?" - sua voz era um sussurro hesitante, cercada de confusão.

A jovem deu um passo para trás, ainda visivelmente emocionada. "Perdoe-me, minha senhora. Sou Benedith, sua serva. Não se lembra de mim? Vou chamar o médico, seus pais, todos! Eles precisam saber que a senhorita finalmente acordou!" E, antes que Hinylle pudesse protestar, Benedith saiu correndo pelo corredor, gritando por socorro.

Sozinha, Hinylle respirou fundo e olhou novamente para o espelho. As palavras de Benedith ecoavam em sua mente: "anos". Teria ela estado anos desacordada? Um calafrio percorreu sua espinha. Tudo ao seu redor parecia confirmar uma verdade aterradora: ela não estava mais no mundo que conhecia. Havia reencarnado em uma nova realidade, um lugar que ressoava com ecos de nobreza e aristocracia.

Sentando-se na cama, tentou processar o que sentia. De alguma forma, uma calma estranha a envolvia, como se esse novo corpo e essa nova vida fossem a única oportunidade de viver algo verdadeiramente seu. No coração daquele quarto magnífico, Hinylle sentiu um misto de medo e curiosidade. Esse mundo parecia repleto de possibilidades, mas também trazia consigo uma nova pergunta: quem era ela, realmente, agora?

Elara Sulfuric [  O Legado ]Onde histórias criam vida. Descubra agora