As primeiras horas do dia passaram como um borrão para Hinylle, desde o instante em que despertara sob os olhares incrédulos e solenes de Benedith e Marius. O quarto desconhecido, com suas tapeçarias em tons profundos e o aroma de flores secas, envolvia-a num misto de estranheza e fascinação. Cada objeto que seus olhos captavam — o velho espelho dourado, o baú esculpido com cenas de batalhas esquecidas, as cortinas espessas de veludo — contava uma história à qual ela ainda não pertencia. Contudo, havia um estranho conforto, um eco distante que parecia sussurrar: "Você pertence a este lugar."Após algumas palavras e olhares trocados com Benedith, a jovem criada conduziu-a para fora do quarto, guiando-a por corredores largos e frios, onde quadros de ancestrais a observavam silenciosamente. A caminhada revelou salões vastos e portas que se perdiam de vista. O castelo era um verdadeiro labirinto de pedras e segredos, e Hinylle sentia-se pequena sob o teto abobadado e os longos corredores que se estendiam, quase infinitamente, em ambas as direções. Seus passos ecoavam como uma música solitária naquele ambiente imponente.
Aquela manhã fora dedicada a lhe mostrar o castelo que, segundo Benedith, era o lar dela. Com cada nova sala, Hinylle sentia uma mistura de encantamento e angústia, como se tentasse absorver o passado de uma vida que deveria conhecer, mas que era um completo mistério. Benedith explicava pacientemente a origem dos quadros, as histórias por trás das tapeçarias, e a tradição de cada aposento que atravessavam. Hinylle ouvia, mas uma parte dela, profundamente entranhada, não conseguia se desprender da sensação de vazio que crescia em seu peito.
Em um dos pátios internos, rodeado por colunas de mármore cobertas de hera, Hinylle foi surpreendida pela beleza delicada de um jardim secreto. Flores selvagens cresciam ao longo de canteiros cobertos de musgo, enquanto pequenas fontes esculpidas jorravam água de maneira tranquila, quase solene. Ao se aproximar de um pequeno banco de pedra, algo em seu interior relaxou; era como se, naquele refúgio escondido do castelo, encontrasse uma fagulha de paz. Ela fechou os olhos, deixando a brisa suave tocar seu rosto, e sentiu-se mais próxima de algo que não sabia definir. Talvez uma lembrança perdida? Uma emoção que pertencia a Elara?
Enquanto observava as pétalas coloridas e ouvia o sussurro da água corrente, uma agitação repentina começou a tomar conta do castelo. Marius e Benedith foram chamados para a entrada principal e, por um instante, Hinylle ficou sozinha no jardim, seu coração começando a bater mais forte. Algo lhe dizia que aquele tumulto era importante — algo muito além do seu próprio despertar. Ela se levantou lentamente e, instintivamente, seguiu em direção ao grande saguão de entrada, onde vozes e passos apressados ecoavam.
Ao dobrar o corredor principal, Hinylle viu figuras familiares, ainda que estranhas, passando pela porta imponente do castelo. Um homem alto, de porte nobre, cabelos grisalhos e um olhar severo, avançou pelo salão com passos firmes. Ele usava uma capa escura e botas pesadas, e a força de sua presença preenchia o ambiente como uma tempestade prestes a estourar. Atrás dele, três jovens de aparência imponente, todos com traços fortes e expressões cautelosas, observavam ao redor como se estivessem pisando em solo sagrado. Era o Duque, pai de Elara, e seus três irmãos, que haviam retornado às pressas ao saber da notícia do despertar dela.
Quando o olhar do Duque pousou em Hinylle, algo em sua expressão de dureza pareceu vacilar. Havia uma vulnerabilidade inesperada nos olhos dele, como se, por um segundo, o peso de anos de distância, de perda e espera, ameaçasse romper a fachada de nobreza implacável. Ele caminhou em direção a ela com um misto de incredulidade e cautela, e Hinylle sentiu o peito apertar. Ela não sabia quem ele era para ela, mas aquele homem parecia carregar em seu olhar uma história de amor e tristeza que a fez estremecer.
Ele parou diante dela, seu olhar intenso procurando em seu rosto por algo que talvez pudesse lhe oferecer consolo. Após um breve silêncio, sua voz grave soou baixinho, quase como um suspiro: “Elara… você voltou.”
Hinylle desejou responder, mas as palavras falharam. A angústia daquele homem parecia conectada ao que ela deveria ser, mas que não era. Quando ele a envolveu em um abraço cauteloso e quase hesitante, Hinylle sentiu uma onda de emoção percorrer seu corpo. Parte dela queria corresponder àquele gesto, sentir-se verdadeiramente sua filha; outra parte, porém, permanecia em silêncio, como se esperasse algo que nem ela sabia definir.
Os três irmãos ficaram parados a poucos passos, observando com expressões que variavam entre a curiosidade e a contenção. O mais velho, com um semblante sério e uma postura rígida, aproximou-se dela com um ligeiro aceno de cabeça. Ele parecia medir cada gesto, como se temesse que qualquer movimento pudesse desfazer aquele reencontro frágil. "Elara," ele disse, sua voz tão baixa quanto a do pai, “esperamos por você.”
Hinylle sentiu-se atravessada por uma nova onda de emoções — a força do vínculo silencioso que seus irmãos demonstravam era estranha, mas perturbadoramente acolhedora. Eles pareciam carregar a mesma dor oculta que via nos olhos do Duque. Aquela família que ela não conhecia, mas que a acolhia como uma peça importante que retornava a um quadro fragmentado, estava ali, à sua espera. E, por um momento, ela permitiu-se imaginar que talvez pudesse preencher aquele espaço vazio que eles pareciam guardar para ela.
Conforme o dia avançava, Hinylle foi deixada para se preparar para o jantar. Em seus aposentos, enquanto uma criada arrumava seu cabelo e prendia-lhe um colar delicado ao pescoço, Hinylle tentou assimilar o peso do que estava por vir. Os murmúrios da criadagem no corredor, os preparativos, o som abafado de talheres sendo dispostos no salão de jantar… tudo era estranho e familiar ao mesmo tempo. Era como se cada detalhe daquela noite estivesse sendo cuidadosamente moldado para ela, e ela, uma estranha em sua própria vida, estivesse prestes a representar um papel que mal compreendia.
Ao olhar-se no espelho uma última vez, viu o reflexo de uma jovem elegante, mas indefinida. Alguém que carregava o nome de Elara, mas cuja essência ainda permanecia oculta. Ela inspirou fundo e caminhou em direção à porta, sentindo-se dividida entre a necessidade de pertencer e a angústia de ser alguém que não conhecia.
Enquanto o sol se punha além das janelas do castelo, Hinylle compreendeu que a noite que a aguardava seria apenas o primeiro passo em uma jornada de descobertas e sacrifícios. E, mesmo com o coração apertado de incertezas, uma nova força brotava em seu peito: ela estava determinada a encontrar a verdade sobre quem era, mesmo que isso exigisse enfrentar os segredos mais sombrios que aquele castelo guardava.

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Elara Sulfuric [ O Legado ]
FantasyNo coração de uma era antiga, onde a magia e os segredos da nobreza se entrelaçam, Elara Sulfuric: O Legado revela a história de uma jovem determinada a forjar seu próprio destino. Reencarnada no corpo de Elara, uma nobre com um sobrenome que carreg...