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O silêncio se fechou ao redor de Hinylle enquanto ela permanecia sentada, observando o reflexo desconhecido no espelho. Benedith ainda não retornara, e, sozinha naquele quarto desconhecido, ela sentia o peso da inquietude. Tudo ao seu redor era estranho, e ao mesmo tempo, carregava uma sensação de pertencimento inexplicável. Cada detalhe do ambiente parecia harmonizar-se com ela de uma forma que seu antigo mundo jamais fizera. Como se aquele lugar, aquele corpo, fossem feitos para ela, ou melhor, como se ela tivesse nascido para estar ali.

Hinylle levantou-se lentamente e deu alguns passos pelo quarto, tentando assimilar o espaço ao seu redor. As paredes eram adornadas com painéis de madeira escura e pinturas a óleo de paisagens e retratos de figuras misteriosas. Uma tapeçaria imensa cobria o chão, macia sob seus pés, cada bordado uma intrincada história contada por mãos hábeis. Ela se aproximou de uma das pinturas, onde uma mulher de expressão severa e beleza inigualável a encarava com um olhar firme, quase penetrante. Havia algo inquietante na semelhança entre elas, algo que a fez recuar e desviar os olhos. Era como se a mulher na pintura soubesse um segredo que Hinylle ainda desconhecia.

O som de passos apressados ecoou pelo corredor, rompendo o feitiço que o quarto lançava sobre ela. A porta se abriu, revelando uma figura alta e elegante, um homem de cabelos grisalhos, vestido com um traje refinado, e ao seu lado, Benedith. A emoção no rosto da jovem empregada era evidente, mas o homem parecia controlado, embora seus olhos tivessem um brilho de espanto e apreensão.

"Senhorita... senhorita Elara!" O homem fez uma reverência cuidadosa, e Hinylle piscou, confusa.

"Perdão, mas... eu... quem é Elara?" Hinylle ouviu-se perguntar, a voz insegura. Algo na postura daquele homem a fez sentir-se pequena e deslocada.

Benedith, ao ouvir a pergunta, olhou para o homem, seu rosto assumindo uma expressão assustada e confusa. "Ela não... senhor, parece que... ela não se lembra de nada."

O homem, que parecia representar uma figura de respeito, olhou profundamente nos olhos de Hinylle, como se procurasse a verdade além da superfície. Então, aproximou-se mais, seu rosto suavizando-se em uma expressão mais compassiva. "Senhorita Elara," ele começou, pausadamente, como se estivesse medindo cada palavra, "sou o Conselheiro Marius. Fui nomeado por seus pais para cuidar de sua segurança e instruí-la durante os anos em que esteve adormecida."

Hinylle sentiu o mundo girar ao redor da palavra "adormecida". Era como se todas as peças de sua vida tivessem sido rearranjadas em um tabuleiro que ela mal reconhecia. "Por quantos anos?" Sua voz saiu como um sussurro, carregado de incerteza.

Marius suspirou, parecendo escolher cuidadosamente sua resposta. "Você esteve em um sono profundo por... quase uma década, senhorita." Seus olhos eram perspicazes, atentos a cada reação dela.

Uma década. Hinylle ficou paralisada enquanto tentava processar essa informação. Dez anos. Era como se sua vida anterior tivesse sido apagada, os dias sacrificados, o cansaço diário... tudo isso parecia distante, como um sonho desfeito. "Eu... não me lembro de nada", confessou, a voz tremendo. "Minha mente... ela me diz que não pertenço aqui."

O conselheiro lançou-lhe um olhar calculado, talvez ponderando a melhor forma de proceder. "Os detalhes de sua condição ainda são um mistério para todos nós, minha senhora", disse ele calmamente, mas com uma tensão subjacente. "No entanto, seus pais desejaram que estivesse cercada de conforto quando... caso... você despertasse. E, quanto às memórias... talvez elas retornem com o tempo."

Hinylle assentiu lentamente, as palavras dele penetrando em sua mente como sementes que germinavam mais perguntas do que respostas. Cada segundo que passava ali, sentia-se como uma estrangeira em sua própria pele. Mas uma certeza a consumia: ela precisava entender quem era Elara, e por que sentia uma angústia profunda por não lembrar de nada daquele nome, daquele mundo.

Benedith, percebendo o desconforto de Hinylle, deu um passo à frente, oferecendo-lhe um sorriso gentil. "Minha senhora, talvez seja melhor descansar um pouco mais. Acredito que a senhora precise de tempo para se ajustar. Posso trazer um chá, algo para acalmá-la."

Mas antes que Hinylle pudesse responder, um som veio do corredor. Passos firmes, decididos. E então, na porta, surgiu uma mulher alta, com olhos cor de âmbar e cabelos negros. Sua presença era marcante, como uma tempestade emoldurada pela elegância, e seus lábios formaram um sorriso contido ao encontrar o olhar de Hinylle.

"Finalmente... você acordou, Elara," disse a mulher, com uma voz grave e potente, carregada de uma familiaridade que deixou Hinylle perturbada.

Benedith deu um passo para trás, e Marius, com uma reverência respeitosa, disse em tom baixo: "Senhora Orléia, é uma alegria imensurável para todos nós o retorno da senhorita Elara."

Orléia manteve o olhar fixo em Hinylle, analisando cada detalhe, como se buscasse algo que apenas ela pudesse ver. Hinylle não sabia por que, mas sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Era como se a mulher diante dela fosse mais que uma mãe preocupada ou uma nobre severa. Orléia parecia carregar segredos que poderiam mudar o próprio destino de Hinylle.

"Acredito que tenha muitas perguntas, Elara. Mas algumas respostas talvez sejam mais duras do que você deseja ouvir no momento," disse Orléia, os olhos estreitando-se levemente. "No entanto, cedo ou tarde, terá de enfrentar o que deixou para trás."

"Eu... deixei algo para trás?" Hinylle perguntou, incerta. Tudo parecia um enigma envolto em palavras cuidadosamente escolhidas. Era como se todos ao seu redor conhecessem a verdade, mas apenas fragmentos dela fossem revelados.

Orléia sorriu, embora seu sorriso não tivesse qualquer calor. "Todos nós deixamos algo para trás, minha querida. Mas a questão é... você é capaz de enfrentar aquilo que era antes e aquilo que precisará ser agora?"

A pergunta reverberou pelo quarto, ecoando como uma sentença. E, antes que Hinylle pudesse respondê-la, Orléia virou-se para Marius, lançando-lhe um olhar de comando. "Organize tudo para o jantar desta noite. Ela será apresentada formalmente."

Marius assentiu em silêncio, mas havia uma relutância em seus olhos, algo que ele hesitava em expressar. Ele lançou um olhar breve para Hinylle antes de se retirar, seguido de Benedith, que parecia aflita ao deixá-la ali com Orléia.

Sozinha, Hinylle encarou a mulher que parecia conhecer cada segredo que ela mal conseguia compreender. Orléia então se aproximou, seus olhos âmbar brilhando com uma intensidade que quase a paralisou.

"Elara... ou seja lá como você se lembre de si mesma agora, saiba que, neste lugar, nada acontece por acaso. Quando nos chamamos de volta, é porque temos um propósito a cumprir. E o seu propósito, minha querida, é muito mais grandioso do que você pode imaginar."

Hinylle sentiu um frio tomar conta de seu peito. Ela queria questionar, queria entender, mas as palavras lhe escaparam. Orléia inclinou-se, como se fosse sussurrar algo que apenas Hinylle deveria ouvir.

"Lembre-se de uma coisa: seja quem for que você pense que é... aqui, você é Elara. E Elara tem um destino a cumprir. Esteja preparada para abraçá-lo."

Antes que Hinylle pudesse reagir, Orléia se afastou, desaparecendo pelo corredor, deixando-a sozinha com a certeza perturbadora de que seu despertar era apenas o início de algo muito maior. Ela olhou novamente para o espelho e, pela primeira vez, sentiu que talvez realmente fosse Elara.

Elara Sulfuric [  O Legado ]Onde histórias criam vida. Descubra agora