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A noite caía lentamente sobre o castelo, pintando suas paredes antigas com tons de azul e cinza, enquanto Hinylle, ainda assombrada pela aura de mistério que envolvia sua nova realidade, preparava-se para o tão aguardado jantar de apresentação. Ela havia sido informada de que essa seria uma ocasião especial: o reencontro de Elara com aqueles que a amaram e cuidaram de seu nome durante os três anos de seu sono profundo.

No aposento, Benedith ajustava o vestido cuidadosamente escolhido para ela. Era uma peça de um vermelho profundo, como o brilho do vinho sob a luz das velas, feito de um tecido fino e luxuoso que capturava a iluminação do quarto e devolvia um reflexo quente, misterioso. O vestido parecia vibrar com a cor, transformando-a em um feixe de presença intensa, ardente, como se algo em seu interior também pulsasse com aquela força. A textura do tecido acariciava sua pele, trazendo um conforto inusitado, como uma lembrança distante de algo que ela não conseguia captar.

Hinylle se encontrava diante de um espelho antigo, o mesmo em que havia vislumbrado seu reflexo pela primeira vez e se deparado com aquela imagem estranha que lhe pertencera, mas ao mesmo tempo, era tão diferente dela mesma. Ela respirava fundo, sentindo o peso daquela nova identidade que ainda estava tentando entender. Olhava para seu reflexo, examinando cada detalhe de seu rosto, buscando algo que pudesse confirmar quem ela realmente era - ou quem deveria ser. Seus olhos, ligeiramente cansados e melancólicos, ainda carregavam o brilho de incerteza e desejo de pertencimento, de uma verdade que talvez estivesse além de qualquer resposta.

Benedith aproximou-se com um par de brincos de rubis, relíquias da família que pertenciam à antiga Elara. Quando Benedith os prendeu em suas orelhas, Hinylle sentiu um leve tremor; era como se o peso dos rubis puxasse algo para a superfície, uma lembrança incômoda e vaga. Ela afastou o pensamento, porém, concentrando-se na realidade de agora, na expectativa que crescia em seu peito.

"Senhorita... ou melhor, Lady Elara," Benedith murmurou com delicadeza, a voz embargada por uma emoção contida. "Eles... a senhora... estão todos ansiosos por vê-la. O duque, seus irmãos, e muitos outros. Parece que todo o castelo... está esperando por este momento."

Hinylle assentiu, sentindo o impacto das palavras de Benedith. A ideia de enfrentar tantas pessoas - aqueles que esperavam por Elara, e não por ela - parecia esmagadora, e ainda assim havia uma faísca de coragem dentro dela, uma determinação misteriosa que a incentivava a seguir adiante. Algo dentro dela queria estar à altura daquele nome, daquela presença que todos viam nela.

Benedith terminou de ajustar o vestido e deu um passo atrás para admirar sua obra, os olhos marejados de lágrimas de orgulho. Hinylle tentou sorrir, mas o peso de sua responsabilidade quase a impediu. Ela segurou as mãos de Benedith, apertando-as suavemente, sem dizer uma palavra. Às vezes, sentia que Benedith era a única pessoa com quem podia partilhar seu medo e sua confusão sem ter que escondê-los.

Finalmente, Hinylle se voltou para a porta e fez um gesto de agradecimento para a criada. Então, sozinha, atravessou o corredor iluminado apenas pela luz suave das velas dispostas em candelabros dourados. Cada passo parecia mais pesado que o anterior, como se ela estivesse caminhando para um destino do qual não poderia escapar.

Ao chegar ao topo da grande escadaria que levava ao salão principal, Hinylle parou. Abaixo, dezenas de olhos aguardavam, fixos, ansiosos por vê-la descer. A sala estava decorada de maneira esplêndida: candelabros pendiam do teto, a luz refletindo-se em lustres cristalinos que lançavam um brilho suave sobre todos ali presentes. As longas mesas estavam cobertas por toalhas finas e vasos de flores em cores vibrantes, perfumando o ambiente com uma mistura doce e pungente. Em meio ao murmúrio crescente das vozes, o som de seu próprio coração batendo era quase ensurdecedor.

Seus olhos vagaram pelo salão até que ela viu o Duque, seu pai. Ele estava ao lado de seus irmãos, todos três com semblantes serenos, mas atentos, como se estivessem examinando cada nuance de seus movimentos. Quando seus olhares se cruzaram, o Duque pareceu surpreendido, sua expressão endurecida relaxando brevemente em um misto de alívio e emoção. Ele assentiu levemente, um gesto quase imperceptível, mas carregado de significado. Hinylle sentiu que, de algum modo, aquele simples ato a tranquilizava.

Com passos cuidadosos, ela começou a descer, seu olhar firme e decidido, ainda que houvesse uma leveza no modo como se movia. Cada movimento seu era assistido com reverência e expectativa, e, à medida que se aproximava da base da escada, as conversas paravam; o salão foi tomado pelo silêncio completo. Hinylle sabia que todos esperavam ver Elara, a herdeira que despertara após um longo sono, e ela tentou vestir a expressão que achava que Elara usaria naquele momento, altiva e graciosa, mas ao mesmo tempo acessível e serena.

Quando ela alcançou o último degrau, o Duque estendeu a mão para ela. Sua pele era quente e firme, contrastando com o frio de sua própria mão. Ela ergueu o olhar para ele, esperando encontrar algum vestígio da filha que ele procurava, mas tudo o que sentiu foi uma leve tristeza em seus olhos. O Duque, no entanto, sorriu para ela, um sorriso contido, e fez um leve sinal para que ela avançasse até o centro do salão, onde todos aguardavam.

Hinylle foi levada até uma cadeira ao lado do Duque. Sentada, observou ao redor, sentindo o peso de todos aqueles olhares fixos nela. Cada pessoa naquele salão era uma sombra de seu passado, uma parte de sua vida que ela não lembrava, mas que estava ali, esperando ansiosa para conhecê-la novamente.

Ao seu lado, seus irmãos mantinham expressões rígidas, mas havia algo em seus olhos, uma mistura de orgulho e expectativa. Eles a olhavam como se esperassem que ela se lembrasse de algo, talvez de uma brincadeira da infância, de uma noite compartilhada, de um segredo guardado. Hinylle tentou sorrir para eles, mas, quando encontrou seus olhos, apenas sentiu um vazio que quase a fez estremecer. Ela os amava? Ela os conhecia? Cada um deles parecia carregar uma parte da história que Elara deixara para trás, e ela desejava desesperadamente lembrar, preencher aquela ausência que parecia envolvê-los.

A noite avançava, e as conversas retomaram com leveza, embora todos mantivessem olhares furtivos sobre ela. Alimentos eram servidos em travessas de prata e vinho enchia taças que refletiam a luz das velas. Hinylle, embora tocasse a comida, quase não sentia o sabor. Sua mente estava perdida nas expressões ao seu redor, nos sussurros trocados entre os convidados, nos olhares que pareciam suplicar que ela revelasse algum sinal de familiaridade.

De tempos em tempos, ela olhava para o Duque, e ele retribuía seu olhar com uma expressão serena e suave, como se a estivesse encorajando silenciosamente. Quando a conversa ao seu redor cessou mais uma vez, o Duque ergueu sua taça, chamando a atenção de todos no salão. Sua voz ecoou com firmeza e autoridade, mas também havia uma ternura contida.

"Hoje é um dia que nossa família nunca esquecerá. Depois de tanto tempo, nossa querida Elara voltou para nós. Que este seja um novo começo."

Hinylle ergueu sua taça em resposta, embora o peso daquela frase permanecesse em seu coração. O salão encheu-se de vozes e aplausos, e, por um momento, ela quase acreditou que poderia, de fato, ser Elara, preencher aquele vazio e responder a tudo o que esperavam dela. Mas, por enquanto, ela era apenas Hinylle, uma sombra no corpo de uma herdeira que ainda estava para ser redescoberta.

Elara Sulfuric [  O Legado ]Onde histórias criam vida. Descubra agora