Capítulo 23

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As ruas de Paris estavam mal iluminadas e abandonadas pelos civis, nas calçadas haviam apenas escombros e fumaça. Yuri dirigia a van com pressa enquanto a angústia em meu peito crescia a cada metro percorrido.

Ghost, por outro lado, lia tranquilamente um pequeno livro de capa amarelada e com o título levemente apagado. Seus ombros se tencionaram levemente ao perceber meu olhar e imediatamente ele fechou o livro com um som abafado. A cena toda havia me deixado intrigada e com uma pulga atrás da orelha.

Avançávamos pelas ruas sombrias de Paris, quando Yuri freia bruscamente, fazendo Ghost e eu nos inclinarmos para frente.

- Algum problema, Yuri? - Indaguei, me aproximando do banco do motorista.

- O caminho está bloqueado. Precisamos de outra rota.

Ao olhar pela janela, me deparei com uma enorme barricada de escombros e arame farpado, erguida como um muro.

Ghost pulou para o banco do passageiro e se acomodou no banco do passageiro, estendendo um mapa rabiscado para Yuri, com a testa franzida, ambos analisava cada traço, enquanto murmuravam entre si.

- Posso ajudar em algo? - Minha voz soou mais alta do que eu pretendia, ecoando no interior da van.

Eles mal levantaram os olhos. Frustrada, afundei-me no banco de trás, observando a cena com irritação. Em minha frente, o livro que Ghost tentara esconde, parecia estar brilhando em minha direção. Eu sabia que seria errado pegá-lo, mas minha curiosidade falou mais alto que minha razão.

Olhei para os dois homens no banco da frente, seus olhos mal piscavam diante do mapa, era o momento perfeito. Com cautela me esgueirei até o outro lado da van, sentando ao lado do livro e o agarrando furtivamente. Meu coração palpitante fazia a ansiedade crescer. Segurei o livro observando a capa, agora com mais detalhes. Ao centro, o título "La signification des fleurs" chamava minha atenção. Ao abri-lo, um cheiro antigo e adocicado me envolveu. As páginas, amareladas pelo tempo, estavam repletas de desenhos das mais variadas flores. Mas algo despertou mais ainda minha curiosidade, uma das páginas estava marcada com algo. Deslizei meus dedos pelo livro até abrir na página marcada. No momento em que ela se abriu, uma única lágrima solitária escorreu de meus olhos, caindo sobre o papel. Repousando sobre as palavras, estava a flor que Ghost havia recebido durante o festival, uma gérbera vermelha, agora seca e prensada, mas com uma beleza ainda única.

Segurei a flor com delicadeza, sentindo a textura levemente áspera das pétalas secas. A página relatava o significado da flor, e um trecho em particular me tocou profundamente:

"A gérbera vermelha significa o sentimento de estar totalmente mergulhado no amor."

As palavras me arrepiaram, ecoando em minha mente repetidas vezes.

Totalmente mergulhado no amor...

Um sentimento de conforto me invadiu, substituindo a angústia que me consumia minutos atrás. Era como se a flor, com sua fragilidade e beleza, tivesse absorvido todas as minhas preocupações. Sorri, sentindo um calor suave se espalhar pelo meu peito. Olhei mais uma vez para a flor entre meus dedos e sorri. Em seguida a guardei cuidadosamente entre as páginas do livro e voltei para meu lugar.

Finalmente, a van seguiu em movimento pela escuridão da noite, seguindo a nova rota traçada pelos dois soldados. Seu interior era um labirinto de sombras, iluminado apenas pelas luzes fracas do painel. Ghost reclinou a cabeça no encosto do banco, a máscara ocultando suas expressões e seus olhos fechados em uma tentativa de relaxar por um momento.

Me sentei ao seu lado, pousando minha mão sobre a sua e buscando transmitir-lhe um pouco de calma. Seus olhos ofuscados pela escuridão da van, se abriram, buscando caminho até os meus. Senti seu leve aperto em minha mão, em forma de agradecimento e sorri para ele com o coração aquecido. Pude notar quando ele retribuiu meu sorriso por baixo da máscara e se inclinou para mais perto.

- Chegamos! - A voz de Yuri soou ríspida, cortando o ar como uma lâmina. Seus olhos, como brasas, queimavam em nós pelo retrovisor. 

Olhei pela janela e com dificuldade, consegui distinguir o lugar em que estávamos em meio a escuridão. O endereço era de um prédio de dois andares que parecia estar abandonado, assim como todos os edifícios naquela viela. Desci da van e Yuri me ajudou a arrumar o equipamento de escuta.

- Estaremos aqui caso algo saia do controle. - Seu braço passou pela minha cintura, amarrando um pequeno fio que ligava meu microfone. - Não deixarei nada acontecer com você.

Com os braços ainda em minha cintura, Yuri me encarou profundamente. Encolhi-me levemente sob seu toque. Aquele olhar, cheio de preocupação e proteção, me deixou levemente desconfortável.

- Não se preocupe. Ficarei bem. -Forcei um sorriso a ele.

Olhei para Ghost que já estava dentro da van novamente. Seus olhos, brilhando intensamente sob a luz fraca do interior da van, me transmitiram a confiança que eu precisava naquele momento. Inspirei profundamente. Seu simples aceno de cabeça foi o suficiente para que eu reunisse coragem e seguisse meu caminho.

Caminhei com cautela até a entrada do prédio, a porta quebrada me permitia entrar por um buraco. Lá dentro, um cheiro úmido e azedo pairava no ar, misturado com o odor de mofo e poeira do corredor a frente, que levava até uma escadaria em espiral. Não parecia haver nada nem ninguém ali, então decidi subir. 

- Estou subindo para o segundo andar. - Cochichei apenas para que Ghost e Yuri pudessem me ouvir.

- Entendido. - Uma voz rouca soou do outro lado  do fone, acompanhada de ruídos de interferência estática.

As tábuas da escada rangiam conforme eu equilibrava meu peso, quebrando totalmente o silêncio sinistro do lugar. O andar de cima parecia tão igual quanto o debaixo, exceto por uma fraca luz que surgia de uma das portas do corredor.

- Há uma luz em um dos cômodos aqui em cima. Vou me aproximar.

- Tenha cuidado.

A porta estava entreaberta, me permitindo ver uma silhueta contornada pela luz de uma lanterna. Institivamente segurei o canivete de Yuri que estava em meu bolso e o apertei. Eu conseguia sentir a adrenalina correndo em minhas veias, acelerando meus batimentos.

Em um impulso empurrei a porta para trás e adentrei no cômodo. A pessoa no cômodo pareceu ter se assustado com minha entrada repentina, sacando uma arma contra mim.

Um suor frio escorria de minha testa enquanto minhas mãos tremiam, deixando o cabo do canivete escorregadio. A figura encapuzada em minha frente se aproximou, finalmente abaixando a arma.

- Quem é você? - Tentei manter minha voz firme, mas havia incerteza em cada sílaba.

A figura então levou uma das mãos até o capuz e o abaixou, deixando fios de cabelos claros caíram sobre seu rosto, que me encarava com uma expressão de tristeza e culpa. Meus olhos se arregalaram em choque, incapazes de processar a informação que acabara de receber

- Olá, Amanda.

- Pierre? - A incredulidade era nítida em minha voz.

Amor, guerra & café - Simon Ghost RileyOnde histórias criam vida. Descubra agora