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Dulce Maria

Depois que padre Christopher foi embora às pressas, passei um bom tempo olhando a rua pela abertura do portão, tentando entender o que tinha acabado de acontecer conosco. A dúvida me martirizava, e quanto mais raciocinava a respeito, sobretudo pela maneira como o pároco saiu, mais me aproximava à certeza de que algo estranho ocorreu durante aquele abraço. Cheguei a sentir uma protuberância no meu ventre, porém foi tão rápido que me questionei sobre a natureza daquilo.

Soltei o milésimo suspiro, considerando-me ainda mais perdida. Não pelo enterro ou pela confortável ausência do Paco, mas pelo que aquele padre me fez sentir durante o jantar e nos segundos finais de nosso encontro. Havia uma força imensurável vindo dele, uma fé que me fazia acreditar, também, que tudo daria certo e que eu estava segura, protegida. Contudo, havia sido mais do que um consolo cristão.

Feito uma tola sem juízo, não conseguia parar de observar seus olhos castanho-claros, da cor de mel. Eram realmente atraentes por serem profundos, contornados por cílios cheios e escuros, num desenho muito agradável a qualquer mulher. Sobretudo a uma tão carente e solitária.

Eu não devia, mas tinha reparado sua altura e altivez, os cabelos claros e bem cortados emoldurando um rosto másculo, com uma barba aparada e muito sexy, e me peguei imaginando o que teria por baixo da batina, porque o padre era maior e mais largo do que eu achava que um servo do Senhor poderia ser.

Era loucura. Insanidade. Meu rosto esquentava toda vez que o olhava com mais exatidão, reparando seus modos gentis, sua voz suave, mas firme, o andar tranquilo e a expressão que inspirava serenidade. Foi uma reação automática, involuntária e incontrolável, porque não consegui parar. Meu Deus do céu, tende piedade dessa alma que pensou besteira ao ver aqueles lábios sujos de torta.

Quando lhe pedi um abraço, juro pelo que é mais sagrado que não tive nenhuma intenção suja, muito pelo contrário. Só fiz isso porque o sorriso dele trazia calma, e meu coração agitado necessitava de amizade. Sobretudo, pedi um gesto como aquele a alguém com quem me sentia segura, e que sabia que seria sincero. Além do mais, não havia qualquer ser humano em Paraíso que estivesse a fim de me abraçar, a não ser...

Tão logo pensei na criatura, Luís apareceu do outro lado do portão. Levei um pequeno susto, mas abri o ferrolho e deixei que entrasse.

— Estava esperando o padre ir embora... Ele deu sermão? — foi logo comentando, arrumando os cabelos lisos e escuros para trás da orelha. O homem era charmoso, não exatamente bonito, e éramos vizinhos desde que me casei com Paco, há quase sete anos. Havíamos combinado de não ficarmos juntos no enterro, porque pegaria muito mal.

— Foi tudo muito bonito no velório.

Dei de ombros, pois não queria falar de nada daquilo. Estava cansada e precisava dormir, além do que me sentia absolutamente confusa com a saída do padre Christopher. Ele tinha, ou não, ficado excitado com o abraço?

De qualquer forma, mesmo sem saber direito da parte dele, precisava parar de negar que eu tinha ficado louca de tesão desde muito antes, só com a sua presença mais próxima. O que era constrangedor e errado num nível absurdo.

Onde que eu estava com a cabeça?

— Foi, sim... O que faz aqui? — Não queria ser indelicada, mas Luís me conhecia e sabia que eu podia ser meio grossa, às vezes.

— Vim prestar apoio, te dar um abraço... — Ele me puxou e me envolveu, mas não fui capaz de sentir muita coisa. Quero dizer, foi bom receber aquele afeto, coisa que me faltava fazia muito tempo, já que meu falecido marido não tocava em mim havia uma eternidade. — Como está com tudo isso? Sei que te perguntei ontem, mas hoje, no enterro, percebi você séria e fechada.

A sombra do pecadoOnde histórias criam vida. Descubra agora