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Dulce Maria

Claro que não esperava ser acordada com café da manhã na cama, flores, beijinhos e corações flutuando ao meu redor. No entanto, Padre Christopher me despertou como se eu fosse uma meretriz, com aquela cara de cão abandonado e uma seriedade que me angustiou.

As palavras saíram frias, sem emoção alguma. Já foi logo dizendo o que eu tinha que fazer para ir embora, nem disfarçou o constrangimento ou a pressa em se livrar de mim. Para completar, ainda achava que eu era uma irresponsável.

Por um lado, eu podia entendê-lo. A cabeça dele deveria estar uma bagunça completa, e ainda ter que celebrar uma missa depois daquela noite... Coitado. Percebi que estava desconfortável dentro da própria pele, sabia o quanto se sentia mal. Porém, eu era uma mulher como qualquer outra, tinha vivenciado um momento muito intenso e, por dentro, necessitava de um pouco mais de consideração.

Sua aspereza me deixou destroçada, e nada pude fazer além de engolir o choro e sair dali o mais rápido possível. Assim que o padre deixou a casa, tomei um banho depressa, só para arrancar os vestígios dele espalhados por toda parte, cheiro, gosto, suor, gozo. Eu estava sem nenhuma peça íntima para usar por baixo da calça, e o incômodo foi tanto que procurei algo para vestir dentro de seu armário. Achei uma cueca boxer preta com facilidade, coloquei-a e tentei não me sentir mal por isso.

Não ousei abrir a geladeira, no entanto. Estava sem apetite nenhum, segurando a vontade de cair no choro e assustada comigo mesma, com as reações do meu corpo. Nem a culpa e nem o arrependimento haviam me encontrado, ao contrário do que eu esperava, apenas uma tristeza esquisita e certa raiva pela situação.

Deixei a casa dele em poucos minutos, esgueirando- me pelo corredor e escadaria rumo ao pátio. Olhei por toda parte, conferindo inúmeras vezes se havia alguém por perto, e a sensação de estranheza só fez piorar. Avancei conforme percebia que a barra estava limpa, até alcançar a parte frontal da igreja e me misturar com os fiés. Ninguém percebeu de onde vim e, como não conhecia ninguém direito, simplesmente saí de fininho, sem falar com ninguém.

Apenas uns dois quarteirões depois foi que consegui voltar a respirar, ainda que o fato de estar indo para casa me trouxesse aflição, afinal, não sabia o que encontraria. Estava muito cansada, meu corpo todo doía, sobretudo as partes mais sugestivas. O padre tinha acabado com a minha raça em todos os sentidos possíveis. Eu já sabia que demoraria demais para esquecer daquela foda; a melhor da minha vida em disparada.

Ainda não conseguia lidar com as surpresas. Estava chocada demais para elaborar qualquer pensamento coerente. Enquanto inevitavelmente recordava cada toque, cada beijo trocado, e tentava não desejar aquilo para mim nunca mais, passei pela farmácia a caminho de casa e me lembrei de que deveria comprar uma pílula do dia seguinte com urgência.

Estava sem dinheiro, mas sempre comprava ali e Paco tinha uma conta antiga, a ser paga todo final do mês. Na verdade, tínhamos contas no mercadinho, em algumas vendinhas, na mercearia, enfim, às vezes eu saía de casa sem nada no bolso e voltava com praticamente a feira do mês; meu falecido marido pagava tudo depois. O lado bom de morar em cidade pequena.

Adentrei a farmácia olhando de um lado para o outro, de repente constrangida com o meu pedido. Pensando melhor, o que o farmacêutico pensaria de mim? Recém- viúva, sozinha... Meu Deus. Não tinha pensado naquilo. Comprar uma simples pílula naquela cidade poderia gerar um caos na minha vida, principalmente se o homem fosse fofoqueiro, como a grande maioria dos habitantes era. Só que pedir para que Padre Christopher providenciasse algo assim seria extremamente pior.

Eu não me lembrava de ter visto a farmácia fechada um só dia. Até em feriados ela abria, pois era a única num raio de quilômetros. A outra mais conhecida ficava meio longe e eu não tinha conta, por isso precisava resolver aquilo logo. Engoli em seco e fingi olhar alguns esmaltes, próxima ao local onde o único farmacêutico atendia uma senhorinha. Pela hora, havia pouca gente ali e na rua, era cedo demais de um domingo.

A sombra do pecadoOnde histórias criam vida. Descubra agora