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Padre Christopher

Acordei de um sonho que me deixou transtornado; nele, eu era o defunto enterrado no cemitério no dia anterior. Os coveiros jogavam terra sobre mim, porém eu ainda estava vivo e, por algum motivo, não conseguia gritar.

Só podia ser um sinal depois do que acontecera na noite passada. Um aviso para me afastar da viúva de olhos penetrantes e das sensações contraditórias que me fez sentir, que no fim se transformaram numa ereção constrangedora, pela qual eu ainda não sabia se deveria me desculpar. Apenas o perdão divino serviria? Não seria prudente obter, também, o perdão daquela mulher? Pensava enquanto observava meu próprio membro.

Todas as manhãs era inevitável despertar com ele no modo mais rígido, latejante e melado. Era frustrante. Não havia muito o que fazer a respeito, o meu corpo biológico agia sozinho, por si mesmo, e a única coisa que me apetecia era não me perturbar por algo natural, orar e esperar que passasse.

Ao menos eram as recomendações que recebia dos clérigos superiores.

Durante os estudos como seminarista, o celibato foi uma questão que me trouxera muitas perguntas e me fizera entrar em profundo estado de meditação, a fim de alcançar uma paz de espírito que em diversos momentos me escapava. Fiz o voto de castidade com muita consciência. Conter os instintos se tornou necessário, de modo que aprendi a fazer isso até certo ponto.

Naquela específica manhã, por exemplo, não conseguia me livrar da sensação de estar à beira de um precipício.

Temi que o controle fugisse de mim e que a insanidade me alcançasse no lugar dele. Ainda que o bispo da região tivesse recomendado que eu me aliviasse algumas vezes, quando se tornasse insuportável, e depois passasse por um processo de penitência que me traria o perdão divino, eu evitava o máximo que podia.

Não me sentia nada bem fazendo aquilo, porque descontrolar meu corpo podia significar desajuizar a minha mente tão focada nos deveres. Por esse motivo, escolhi ignorar a nova ereção; levantei-me da cama e me direcionei à pequena sala ao lado de meu escritório particular, onde eu havia colocado uma esteira e alguns alteres. O espaço que me foi designado, uma construção por trás da igreja, era humilde e confortável o suficiente para ser chamado de lar.

Fazer exercício me acalmava e ajudava a equilibrar meus hormônios, de modo que se tornava mais fácil controlar os impulsos mais sombrios que todo ser humano guarda dentro de si. No silêncio da alvorada, longe dos olhares de todos da cidade, eu me movimentava com vigor, pegava pesado de propósito com o intuito de trazer uma saciedade menos vulgar ao meu próprio corpo.

Após trinta minutos de corrida e mais quarenta de exercícios de musculação, entrei no banho me sentindo revigorado, satisfeito e cansado o bastante para pensar no que não devia. Vesti uma batina limpa e me olhei no espelho durante alguns segundos, passando as mãos nos cabelos e na barba, antes de descer para a igreja. Fiquei feliz por não me sentir tão mal quanto achei que ficaria. Reconhecer as falhas fazia parte do processo.

A minha missão sempre começava cedo, a primeira missa era realizada às 7h da manhã, e as atividades na igreja me deixavam ocupado ao longo dos dias. Havia muito a ser feito. Aquela cidade era pequena, mas cheia de serviço, porque as pessoas precisavam do amparo para manterem a serenidade. A maioria dos habitantes era pobre, vivia com muito pouco e precisava de fé em Deus para suportar os desafios.

– Bom dia, padre Christopher — Toninho, o coroinha mais experiente, saudou-me quando nos encontramos no corredor que levava à uma pequena capela e à sacristia. — Tudo bem com o senhor? Está um pouco vermelho.

A sombra do pecadoOnde histórias criam vida. Descubra agora