Padre Christopher
Eu não esperava passar por aquela noite ileso, seria bobagem de minha parte achar que me manteria tranquilo. Sabia que me desestruturaria assim que colocasse os olhos sobre Dulce Maria, porém, o abalo foi mais intenso do que imaginava e não conseguia me controlar desde que a encontrei na companhia de um homem.
Não sabia quem era o sujeito, mas vê-los conversando, sorrindo e de braços entrelaçados me deixou com um sentimento amargo no peito. Uma emoção profunda e impossível de disfarçar, por mais que tentasse. Não ajudava em nada o fato de ela estar linda, muito sensual e provocante em cada gesto, em cada olhar, a todo momento.
Ou será que era tudo coisa da minha cabeça? Talvez eu a tivesse associado à energia que me arrancava o fôlego, à força obscura que existia em mim, intrinsecamente, e se revelava apenas diante de sua presença. Ela arrastava qualquer razão e coerência como um furacão, de forma que pouco de mim sobrava.
Como alguém podia ser capaz de me devastar daquele jeito?
— Padre, o senhor precisa experimentar isso. — Toninho surgiu com um petisco em mãos e outro num guardanapo. Ele tentava me fazer comer o tempo todo, mesmo eu alegando que estava passando por um jejum necessário. — Padre?
Pisquei algumas vezes. Embora estivesse com os olhos nele, a mente se encontrava longe. O companheiro de Dulce tinha se afastado, porém perdi a deixa para falar com ela sobre um assunto de extrema importância. Queria a encontrar sozinha para não levantar qualquer suspeita, mas estava difícil. Ela simplesmente sumiu e eu não sabia o que estava acontecendo. Pensar que talvez estivesse em um lugar mais reservado com aquele homem estava me enlouquecendo.
— Sim? — Peguei o petisco na mão de Toninho e o enfiei na boca sem mais nada dizer. Estava uma delícia. Tentava ignorar a fome, mas ficava cada dia mais difícil. Aquela penitência estava me enfraquecendo e eu já não sabia mais o que fazer para carregar a profunda culpa.
O coroinha sorriu diante de meu movimento impulsivo.
— Vou trazer mais. O senhor precisa comer.
Ele se virou e saiu das minhas vistas antes que eu pudesse questionar, dizer que não, que na verdade eu tinha que sofrer de alguma forma pelo que fiz. Em vez de aproveitar a festa como o adolescente que era, Toninho estava preocupado comigo, com o fato de eu estar praticamente passando fome para cumprir um castigo doloroso ao que me impus, depois de ter praticado um ato de extremo desrespeito dentro da igreja.
Passei uma mão pelos cabelos, sentindo o desespero se achegar e murmurando uma pequena prece para manter a calma. A combinação pão, água e oração devia bastar para me trazer alguma luz, porém me percebia entrando fundo naquele poço escuro e sombrio. Eu tinha medo de nunca mais ser capaz de enxergar a superfície.
O meu coração palpitou ao observar Dulce Maria saindo entre dois arbustos alguns metros adiante, parecia fugir de alguma coisa ou de alguém. Ela olhava para o outro lado e por isso virei o rosto, encontrando o homem que veio consigo para a festa. Alguma coisa estranha estava acontecendo e aquela era a minha chance de falar com ela.
Eu me aproximei com cautela, observando seu rosto, que parecia a cada segundo mais apavorado.
— Boa noite... — Não soube o que dizer a princípio, uma saudação me pareceu a coisa mais apropriada. Dulce Maria se assustou consideravelmente, soltando um gritinho abafado e levando uma mão ao peito.
Os olhos escuros estavam muito abertos, revelando espanto.
— Padre Christopher — murmurou, e não soube dizer se o timbre era de decepção ou de alívio. Pareceu-me que as duas coisas se misturavam e não a deixavam nem um pouco normal. Ela me parecia tão descontrolada quanto eu estava por dentro.
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A sombra do pecado
RomansaUma viúva intrigante desperta em padre Christopher desejos proibidos, colocando sua fé e seus votos em risco. Em busca de paz após uma perda dolorosa, ele encontra refúgio na igreja, mas a chegada de Dulce Maria, com seu passado misterioso e olhos q...