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Padre Christopher

4 meses depois...

Era manhã de quarta-feira e a igreja estava meio vazia para a primeira missa do dia. Como de costume, despertei, fiz algumas orações, carreguei bastante peso até a exaustão, tomei um banho ligeiro, vesti a batina e me preparei para mais um dia repleto de compromissos. Todas as manhãs pareciam iguais, bem como as tardes e as noites.

Quatro meses, dezesseis semanas, cento e vinte e dois dias e em nenhum deles eu reencontrei a vontade de permanecer ali. A arquidiocese já sabia, o pedido fora feito ao vaticano e a resposta veio: pediram-me seis meses de paciência até efetivarem meu afastamento definitivo e a troca de pároco.

Sabia perfeitamente de onde encontrava forças: do amor de Deus. Eu O havia reencontrado dentro de mim por pura necessidade, e mais uma vez Sua luz me salvou da desolação. Eu era muito grato. Rezava todo o tempo, pedia perdão, porém deixando claro cada um dos arrependimentos, que não envolviam Dulce Maria, mas a forma como conduzi aquela paixão avassaladora.

Chorava em silêncio quando precisava e, muitas vezes, percebia minha distração pelos cantos da igreja. As missas foram se tornando mornas naturalmente. Não dava mais conta de conduzir as confissões, portanto estavam suspensas. Os fiéis percebiam minha postura apática, já não frequentavam as celebrações como antes, o que me deixava triste, de certa forma. Tentava me animar pelo simples fato de ninguém ter me associado a Dulce Maria.

Continuei com resignação, ainda que aos tropeços, prossegui na intenção de fazer as coisas certas, de aguardar o momento oportuno, sem pressa. A espera, às vezes, me dilacerava. O tique-taque do relógio me enchia de angústia, no entanto, ainda que saísse dali, não saberia o que fazer ou para onde ir de fato. Não me mantive quieto em vão, minha calmaria não significava passividade.

Contratei um detetive especializado, usando o dinheiro da venda da casa que se mantinha intacto, muito bem guardado, para localizar Dulce. Não havia sinal dela em parte alguma. A mulher desapareceu feito fumaça, sem deixar qualquer rastro, e o delegado Herrera alegou que não tinha condições de me ajudar nisso, que já fizera demais e se arriscou muito. Eu o compreendia e agradecia seus esforços. Ele fez o que pôde para manter Luís preso e Maria, distante.

Quando recebi o recado dela, dois dias após nossa despedida, desmoronei novamente e fiquei longe durante uma semana inteira, procurando-a por toda parte, mas em algum momento precisei retornar. Não podia simplesmente dar as costas para a igreja e para as pessoas que precisavam de mim. Eu tinha muita fé. A cada dia ela aumentava, evoluía de estágio, e eu sabia, tinha certeza de que toda aquela dor se esvairia.

Eu reencontraria Maria numa sublime esquina da vida. A qualquer dúvida que se achegava, não dava espaço. Não deixava que entrasse em meu espírito, que poluísse minhas convicções. A minha garota saberia se cuidar, ficaria bem, possuía forças suficientes para se reerguer em qualquer lugar. Rogava proteção a Deus e sabia que ela estava sendo iluminada, guiada pelos melhores caminhos.

A cantoria teve início com o Jeremias e seu notável violão, embalando uma sintonia que trazia muita paz aos corações de todos. Entrei pelo centro da igreja sendo acompanhado pelos novos coroinhas, rapazes prestativos. Comecei a organizar os objetos no altar, preparando-me. Sorri ao erguer o rosto e visualizar o Toninho na primeira fileira, ao lado do seu grande amor, Dimas.

Meses atrás, eu o procurei para uma conversa franca. Falei que a igreja continuaria de braços abertos, seja qual fosse sua escolha, e o rapaz ficou muito feliz de retornar às atividades, daquela vez como um voluntário fiel. Ele desistiu do curso de Teologia e de ser seminarista; estava estudando com afinco para cursar Engenharia Civil no ano seguinte. Dimas era um rapaz do bem e ajudava sempre que podia.

A sombra do pecadoOnde histórias criam vida. Descubra agora