Dulce Maria
Eu não sentia o meu próprio corpo enquanto andava lado a lado com padre Christopher, até alcançarmos a rua lateral onde ele deixara uma moto estacionada. Havia várias por perto, em fileira, certamente pertencentes aos convidados do prefeito. Ainda não conseguia assimilar o que tinha acabado de acontecer, e tão depressa: a pequena confusão com o delegado, a conversa intrigante com a primeira- dama, a dança reveladora com o padre e depois ele me defendendo do tarado do Luís.
Estava derrotada, humilhada, morrendo de medo e meio apática, porém minhas entranhas se contorceram de alegria ao ver aquele homem enorme disposto a bater em alguém por minha causa. Um sentimento bem contraditório, egoísta e nada normal, mas que me invadiu em cheio e me senti realmente protegida. Quando me pediu para confiar nele, não tive a menor dúvida. Em toda aquela cidade, padre Christopher era a única criatura em quem eu ainda guardava alguma confiança.
Ele me ofereceu um dos capacetes e olhou para mim por mais tempo, como se refletisse profundamente. Tive medo de que desistisse de fugir comigo. Eu não fazia ideia de para onde iríamos, mas ali não era um bom lugar e voltar para casa, com meu vizinho pervertido à espreita, não era uma opção. Enquanto estivesse com o padre, sabia que estaria segura, ninguém me faria qualquer mal.
— Preciso avisar ao Toninho que estou saindo, ou ele vai ficar muito preocupado, pois viemos juntos — padre Christopher disse, sacando o celular do bolso do terno de um jeito que me deixou vidrada, e se afastou alguns passos para fazer aquela ligação. Depois de algumas tentativas, enquanto eu olhava por todos os lados, em plena desconfiança, o homem se virou novamente para mim: — Ele não atende. Vou precisar voltar para a festa e avisar. Pode me esperar aqui?
Observei a rua, que estava movimentada e iluminada. Não era possível que alguém fizesse qualquer coisa contra mim naquelas condições. O pior de tudo era não ter a menor noção de quais perigos me cercavam, se é que de fato havia algum.
— Tudo bem, eu espero.
Padre Christopher deu um passo para frente, depois paralisou. Passou uma mão pelo cabelo e se virou para me encarar.
— Não, é melhor que venha comigo. — A voz saiu comedida, exalando uma seriedade que me comoveu. Ele estava muito preocupado, de forma que simplesmente me envaideci. Sentia uma gratidão imensurável por ele ter afastado o Luís. — Não vou te deixar sozinha de maneira alguma.
Abri um leve sorriso e usei as costas das mãos para limpar o rosto. Não sabia como estava a minha maquiagem e não queria entrar de novo na casa do prefeito, mas era isso ou ficar sozinha na rua, coisa que eu realmente não queria. Quando ergui a cabeça, pronta para retornar, padre Christopher me observava.
— Continua perfeita — murmurou, fazendo-me soltar um arquejo.
Eu me perguntei se meus ouvidos tinham mesmo escutado aquilo, mas não tive muito tempo para raciocinar. Ele colocou os capacetes sobre a moto de novo e foi andando, portanto precisei o acompanhar a passos apressados.
Adentramos a festa novamente e fiz de tudo para me manter invisível, sem alardes, enquanto o padre procurava pelo coroinha. Encontrou-o no grande terraço da mansão, na companhia de outros adolescentes de sua idade, pessoas que eu não conhecia muito bem.
Os dois começaram a conversar num canto, e aguardei enquanto observava por toda parte, como se um ataque contra a minha pessoa fosse inevitável. Tudo ali passou a me incomodar muito. Encontrar o prefeito sorridente e conversando com uma roda de empresários engravatados me fez suspirar de exaustão.
Eu me virei um pouco, a fim de sair das vistas do aniversariante. Andei até uma pilastra, e foi então que uma mulher muito bonita passou por mim. A princípio, fiquei meio chocada com a beleza evidente. Estava dentro de um vestido azul-escuro muito bonito, e o penteado trançado era uma perfeição por si só. Contudo, depois de alguns segundos a analisando, percebi que não havia sido a roupa que tinha me chamado a atenção para ela. Eu a conhecia. Era a mulher da fotografia de Paco. Aquela que estava nua e dando para um homem que eu não fazia ideia de quem era.
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A sombra do pecado
RomansaUma viúva intrigante desperta em padre Christopher desejos proibidos, colocando sua fé e seus votos em risco. Em busca de paz após uma perda dolorosa, ele encontra refúgio na igreja, mas a chegada de Dulce Maria, com seu passado misterioso e olhos q...