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Padre Christopher

Deus conhecia todos os meus esforços para continuar ajuizado e me manter distante de Dulce Maria. Depois do acontecido na sacristia, entrei em meditação na pequena capela e só saí de lá horas depois – ignorando boa parte de meus compromissos do dia –, quando me senti bem o suficiente para não ser perturbado pelas emoções inadequadas que senti diante do toque dela.

A princípio, briguei comigo mesmo, questionei a minha fé, os meus votos e o meu propósito, mas depois de um tempo, a calma foi se achegando. Percebi que não adiantaria colocar em dúvida toda a missão, se havia me aceitado como um pecador e, como tal, propício a erros, a falhas. Eu sabia o que fazer porque a Bíblia era bem clara: "se a tua mão direita te fizer pecar, corta-a e lança-a de ti" (Mateus 5:30).

Aquele trecho era bastante mal interpretado pelos fiéis e, muitas vezes, tomado ao pé da letra, o que não fazia muito sentido porque Deus não quer que nos machuquemos. Pelo contrário, Ele quer o nosso bem. Porém o mal, aquilo que faz pecar, precisa ser aniquilado e afastado, evitado a todo custo.

Eu não faria nada ruim a mim mesmo ou a Dulce Maria, pois necessitava perdoá-la e me perdoar também, mas certamente deveria evitar qualquer contato, porque um simples gesto poderia ser muito perigoso para nós dois. Era prudente que me distanciasse, parasse de nos colocar em situações como as mais recentes. Apenas daquela forma eu obteria o perdão divino e continuaria com meu propósito sem culpa.

Só que tudo foi por água abaixo a partir do instante em que, depois de tê-la ignorado com sucesso durante toda a noite, vi seu olhar amedrontado e vacilante ao perceber que voltaria para casa sozinha, na escuridão. Dulce Maria estava temerosa e eu temi por ela também. Se alguma coisa acontecesse, jamais me perdoaria, por isso arrisquei o que me propus a fazer na intenção de garantir sua integridade durante o retorno.

Decidi não a avisar que estaria por perto, afinal, ainda que estivesse apavorada, o importante era que nada de fato acontecesse. No fim, tudo daria certo, porque eu não permitiria que algo a atingisse. Mas me manter nas sombras foi o meu maior erro. Aquela mulher era inteligente e guerreira demais para não perceber minha presença e não buscar uma reação efetiva diante do cenário que lhe parecia assombroso. Por outro lado, se tivesse avisado desde o princípio, ela seguiria ao meu lado durante todo o percurso, o que nos traria uma aproximação que eu considerava inadequada.

Pois bem, lá estávamos nós em outra situação extremamente inadequada, e nada pude fazer para atenuar ou me afastar de vez. Sem conseguir ver um palmo à minha frente, após ter sentido sua pele, calor, sussurros ao pé do ouvido e toda a agitação dela diante do que acontecia na cerca da casa do prefeito, já não estava mais conseguindo pensar com clareza. Dulce Maria me levava pelas ruas da cidade e eu me sentia guiado rumo à forca.

Adentrei a casa dela por pura falta de opção; precisava ao menos lavar o rosto e me livrar da ardência que fazia meus olhos lacrimejarem sem freios. Não esperava ser atacado daquele jeito. Se pensasse melhor no acontecido, começaria a rir de sua atitude, só que a preocupação era tanta que me mantive sério demais.

— O banheiro é aqui, padre — Dulce Maria disse ao me ajudar a atravessar sua residência, depois de jurar que se comportaria. O problema todo era que eu não me sentia equilibrado o suficiente, mesmo depois de ter passado tanto tempo em oração.

Reparar o olhar dela sobre mim mais cedo, ainda durante a entrega de alimentos, simplesmente removeu toda a tranquilidade que consegui, a duras penas, reunir dentro do meu coração. Ela me afetava demais, de modo que compreendia que, realmente, não haveria outra maneira a não ser o distanciamento completo entre nós.

Ela me soltou e fechei a porta do banheiro para que fosse obrigada a se manter afastada, além de me dar certa privacidade. Abri a torneira da pia e joguei uma quantidade abundante de água em meu rosto, percebendo que estava funcionando. A ardência passava pouco a pouco. Consegui abrir os olhos depois de um tempo; estavam muito vermelhos e irritados, constatei ao me olhar no espelho, mas já conseguia pelo menos voltar à igreja.

A sombra do pecadoOnde histórias criam vida. Descubra agora