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Dulce Maria

Saí da igreja às pressas, quase trombando no coroinha, que chegou a perguntar se eu estava bem, porém não tive coragem de responder e menos ainda de encará-lo. Apenas continuei andando até a saída. O fato de estarmos naquele ambiente já dizia muita coisa sobre mim: eu estava mais do que errada, agia com absurda heresia, profanando locais sagrados e seduzindo uma pessoa que claramente se perturbava com a minha presença.

Eu não fazia bem para ninguém permanecendo ali, por isso, sobretudo depois das palavras duras de padre Christopher, estava disposta a nunca mais aparecer. Na verdade, não deveria tê-lo procurado. Ele disse que me ajudaria, mas eu não poderia exigir nada. Guardar os pertences de Paco já era muita coisa.

O meu coração batia descontrolado e a minha mente detonada tecia milhões de críticas e xingamentos ao meu respeito. Ainda que tivesse prometido não me deixar abalar pela opinião dos outros, a minha própria percepção acerca de meus pecados era importante e eu deveria sentir, no mínimo, vergonha na cara.

Só que eu estava perdida em tantos sentidos que não sabia a quem recorrer, encontrava-me sozinha para lidar com um mundo maldoso e sem noção. Aquela semana ainda estava na metade e a minha vida tinha se afundado, estava no fundo do poço e mais solitária do que nunca.

Começou com o idiota do farmacêutico, que deixou a informação da compra da pílula escapar. As pessoas estavam comentando, de forma que expliquei a uma ou duas fofoqueiras da cidade que comprei o medicamento porque tive relações com o meu marido no dia da morte dele, por isso precisei me certificar de que não teria uma criança de alguém que já havia morrido. Porém, a história toda só fez piorar, porque algumas pessoas achavam que eu deveria ter deixado Deus agir na minha vida e esperado para ver se haveria de fato algum filho, que seria uma bênção.

Depois disso, resolvi ficar em silêncio, porque percebi que qualquer coisa que eu dissesse seria usada contra mim e que não valeria a pena viver de acordo com a opinião dos outros. A cidade estava disposta a me detonar, então eu que não perderia mais tempo me explicando para ninguém. Quando apareci na feira usando uma blusa branca, mais picuinhas se formaram, porém sequer me importei. Não viveria de aparências por mais nem um segundo, já me bastavam anos e anos sem ter o controle de minha própria vida. Uma hora parariam de falar ao meu respeito; era sempre assim, alguém ficava na berlinda por um tempo, até ser esquecida totalmente.

Na manhã da quarta-feira, no entanto, algumas cartas chegaram em nome do Paco e tive que as abrir, então me deparei com informações que eu não fazia ideia. O nome dele estava sujo, havia uma dívida absurda a ser paga, coisa que eu estava disposta a deixar para lá, porque afinal ele tinha morrido. Contudo, ao cutucar nossa situação financeira mais a fundo, descobri coisas que me arrasaram completamente.

Eu achava que a casa, que estava em meu nome, estava quitada, mas na verdade havia uma hipoteca com vários meses em atraso. Paco tinha feito inúmeros empréstimos usando o meu nome, com quitações ainda a serem feitas. Todo o dinheiro que eu achava que tinha precisou ser repensado, porque a verdade era que só havia me sobrado dívidas e mais dívidas, e que eu não tinha conhecimento de nada porque nem mesmo isso meu odioso marido me deixava ciente.

Fui relapsa, despreocupada demais, confiante no que ele estava fazendo. O idiota tinha praticamente roubado a minha vida e eu, boba, fui a esposa perfeita, a dona de casa exemplar que não precisava me preocupar com gastos, dívidas, nada. O papel que desempenhei foi de completa otária.

Descobrir aquilo me deixou tão sem chão que novas preocupações foram se acumulando, dentre elas os indícios que encontrei. E, claro, o fato de não tirar padre Christopher da cabeça. Nossos momentos se mantinham vívidos, claros demais em cada instante, de forma que o desespero só se acumulava e culminou na minha procura por ele. E devia confessar, não havia sido apenas para que guardasse aqueles objetos.

A sombra do pecadoOnde histórias criam vida. Descubra agora