Padre Christopher
Caminhamos apressadamente pelas ruas desertas de Paraíso; eu, tentando não chamar qualquer atenção e reparando até nas nossas sombras; Dulce Maria, agitada, visivelmente assombrada e grudada no meu braço de uma forma inimaginável. Eu queria tirá-la dali, remover o contato que me empertigava, porém achava que seria mais demorado discutir sobre aquilo no meio da rua, por isso apenas a guiava na maior velocidade que podia.
Com a pele suada, as roupas enfiadas de qualquer jeito, o coração batendo forte, as bolas latejando e a cabeça fervilhando a mil: era assim como ela me deixava. Aquela mulher estava me enlouquecendo pouco a pouco, e o meu erro foi ter permitido que chegássemos tão longe. Teria avançado ainda mais se não fosse a invasão em sua residência, outro fator maluco que eu não conseguia conceber.
O que aquela pessoa queria? Era capaz mesmo de invadir uma casa na calada da noite e assassinar alguém?
De uma coisa eu tinha certeza, aquela história toda estava muito mal contada. Dulce Maria não estava sendo totalmente sincera, pois eu ainda não sabia por que evitava tanto qualquer contato com o delegado, inclusive para entregar objetos que poderiam servir como provas. Suas justificativas faziam sentido até certo ponto, mas não eram o bastante para encobrir uma invasão de um possível criminoso.
Se ela queria tanto a verdade, as suas atitudes me pareciam querer encobri-la em vez de colocá-la à tona. De qualquer forma, nada fazia muito sentido, menos ainda o que tínhamos acabado de fazer. Ou quase fazer. No meu caso, fiz muito mais do que deveria, mais do que minha consciência conseguia suportar.
Abri as correntes da igreja ciente de que as tinha deixado sem o enorme cadeado, pois pretendia voltar no mesmo pé, sem demoras. Praticamente empurrei Maria para dentro, fechando tudo logo em seguida, e a segurei pela mão. Olhei rapidamente para seu rosto tomado pelo pavor. Estava meio pálida e não parecia capaz de falar uma só palavra com firmeza.
Não teci qualquer comentário, apenas a guiei pelo terreno da igreja, contornando-o para alcançar a construção lateral onde ficavam meus aposentos. Ela paralisou um pouco diante da escadaria que dava para o andar de cima, mas a puxei rápido. Não queria que uma das irmãs que estavam estabelecidas no andar de baixo acordasse e nos visse. Corríamos muito risco. Será que ela tinha noção do que estava em jogo ao ser levada para a minha casa?
Abri a porta e deixei que Maria entrasse, coisa que fez devagar até demais. Eu estava meio impaciente. Fazia muito tempo que não me sentia daquele jeito, perdido, nervoso, tomado por emoções controversas que nada tinham a ver com a tranquilidade que tanto me esforcei para adquirir. Fechei a porta atrás de nós e a tranquei por puro medo de que alguém simplesmente resolvesse abrir e a encontrasse ali comigo.
Dulce Maria abraçou o próprio corpo enquanto observava o meu humilde lar. Não era nada demais, um ambiente bem menor do que sua casa. O quarto era acoplado à cozinha americana e à sala de estar num só ambiente, feito uma quitinete. Havia apenas um quarto menor, onde eu guardava os objetos de malhação, e a outra porta dava para um banheiro modesto.
— Você vive aqui? — ela perguntou como se não acreditasse.
O espaço era pequeno, mas limpo, e gostava de deixar meus pertences organizados, com cada coisa em seu lugar, para não dificultar a minha rotina. Havia um armário sem porta que enfileirava as batinas e demais roupas. Uma cômoda de seis gavetas no canto, onde jaziam velas e imagens religiosas. Havia uma cruz grande pendurada acima da minha cama, um pequeno sofá, uma poltrona caindo aos pedaços e uma mesa de centro minúscula.
— Sim. — Demorei um pouco a responder, observando enquanto ela andava e analisava cada item do meu lar. Senti-me tão exposto quanto há alguns minutos, quando ela... Enfim. Eu não queria me lembrar do que houve. Ainda não. — Sente-se, vou preparar um chá. Sem acidentes, desta vez.
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A sombra do pecado
Любовные романыUma viúva intrigante desperta em padre Christopher desejos proibidos, colocando sua fé e seus votos em risco. Em busca de paz após uma perda dolorosa, ele encontra refúgio na igreja, mas a chegada de Dulce Maria, com seu passado misterioso e olhos q...