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Padre Christopher

Celebrei a primeira missa do domingo com o pensamento muito distante. Por mais que tentasse me manter conectado com Deus e com o que eu estava fazendo, tornava-se tarefa impossível a cada segundo. O sermão saiu morno, sem graça, porque a interpretação da Palavra fez com que me sentisse um grande impostor. A pregação inteira parecia mecânica, não sentida na totalidade, e desempenhei cada etapa da cerimônia de um jeito automático, o que me deixou completamente frustrado ao final.

Dulce Maria garantiu que eu precisava de um tempo para refletir, mas percebi que, na realidade, não tinha como prosseguir com aquilo. Eu não estava arrependido de ter me entregado a ela e nem ficaria, mesmo se rezasse muito, portanto pender a balança para uma reconexão com Deus e meus propósitos seria um erro medonho. Novos objetivos cresciam em meu peito, e por mais que mantivesse uma fervorosa fé, precisaria arranjar outra forma de estar com Deus e de ajudar as pessoas.

Manter-me no papel de padre só provocaria mais desconcerto, o que prejudicaria aquelas pessoas aglomeradas atrás de um conforto, de uma salvação.

Minhas aptidões haviam se perdido em questão de dias. Anos de estudo e de extrema disciplina se esvaíram a partir do momento em que pus as mãos no corpo daquela mulher. Não tinha volta, nem mesmo motivo para me manter afastado dela. Eu deveria me retirar da igreja, faria mais sentido. Sabia que o processo demoraria, e que no meio do caminho poderia perder Maria para sempre, por isso deixar o tempo passar sem fazer nada não era uma opção. O quanto antes resolvido, melhor. E ainda que aquela mulher não conseguisse me esperar, ainda que o que tivemos fosse um sopro, usando suas palavras, eu não me enxergava mais como o mesmo homem.

Meus desejos estavam acesos, o celibato, comprometido, a sede de viver havia retornado e a escuridão em meu espírito se dissipara. Eu amava a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a mim mesmo, e assim seria ao longo de meus dias, porém minha existência se deparara com uma encruzilhada e me via percorrendo um caminho diferente. Minha própria consciência gritava comigo, exigindo que me controlasse, mas eu a calava e a questionava. Como me controlar, se tudo o que eu mais queria era sair dali e correr para os braços de Dulce Maria?

Eu não desejava mais nada além disso.

Adentrei a sacristia já removendo as vestes sagradas, empertigado, constrangido e disposto a escrever uma carta para a arquidiocese, diferentemente do que Dulce Maria tinha sugerido que eu fizesse. Havia fugido dos fiéis, não fiquei para saudar ninguém, sequer para ouvir os burburinhos da cidade. Apenas me recolhi alegando estar ocupado com alguma coisa importante.

Eu me sentei diante do birô, peguei um papel ofício e uma caneta, iniciando as reflexões a respeito do que escreveria. Precisava ser claro e sincero, para que eles não objetassem e dessem logo andamento ao processo. Precisava avisar aos meus pais. Não sabia o que achariam daquela nova decisão, mas algo me dizia que ficariam felizes. Eles não tinham gostado muito da minha repentina ideia de me tornar um seminarista. Só não objetaram porque era isso ou me ver na sarjeta de novo, entregue ao álcool.

Meu passado sombrio me fez paralisar. E se eu, novamente, caísse naquele limbo? Se me deixasse levar de vez pelo mundo e, diante de inevitáveis decepções, retornasse ao vício? Fazia anos que me sentia curado, mas também tinha evitado qualquer pensamento contraditório e me apoiado no amor de Deus. Toda vez que sentia a abstinência, ajoelhava e rezava até passar. Conseguir beber o vinho durante as celebrações, sem me deixar cair, eram vitórias diárias. Seria capaz de continuar no controle?

Percebi que existiam muitos medos para lidar, e que talvez aquela decisão machucasse outras pessoas ao meu redor. Larguei a caneta e suspirei, apoiando-me no encosto da poltrona. Eu precisava colocar cada fato numa balança, medir bem as decisões antes de agir. Dulce Maria tinha razão, no fim das contas. Não era algo a ser feito no impulso, precipitadamente, porque mexeria demais com vários aspectos da minha vida.

A sombra do pecadoOnde histórias criam vida. Descubra agora