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Padre Christopher

Deixar a igreja em pleno domingo não era uma tarefa fácil, mas a presença do delegado assustou as irmãs e demais funcionários, o que tornou a minha saída possível, sem muitos questionamentos. Ninguém sabia o que estava acontecendo, por isso tentei os acalmar e deixei claro que nada daquilo deveria se tornar uma fofoca entre os fiéis, mesmo sabendo que pedir algo assim em São João do Paraíso era inútil.

Entrei na viatura do delegado Herrera me sentindo esquisito, sobretudo porque, ao conferir cada item dentro da caixa preta, ele ficou mudo, com o semblante muito sério e imerso em reflexões. Não teceu qualquer comentário mais elaborado, apenas perguntou onde a caixa tinha sido encontrada e o motivo de estar comigo na igreja. A minha resposta sincera fez com que soltasse um resmungo e só. Eu não sabia se tinha enrolado a corda no meu próprio pescoço, nem se pioraria a situação de Dulce Maria. Apenas ouvi meu instinto, que costumava funcionar com relação às pessoas.

Delegado Herrera me fez entrar em sua sala assim que chegamos à delegacia. Pediu que eu me sentasse e depositou a caixa preta sobre sua mesa, analisando-a com bastante atenção. Colocou o revólver dentro de uma sacola transparente, tomando o cuidado de pegá-lo com um pano, bem como os outros itens.

— Nós nos deparamos com essa mulher na festa da casa do prefeito — comentei quando ele segurou a fotografia pornográfica. Saquei o celular do bolso e mostrei a foto que tirei durante a festividade. — Não sabemos quem ela é, mas olhou para Dulce de um jeito bem estranho, como se a reconhecesse. O senhor sabe de quem se trata?

Delegado Herrera assentiu, com o queixo apoiado na mão, pensando. A expressão que fez exalava a mais completa confusão e espanto. Talvez soubesse de algo que nem eu ou Dulce sabíamos, e ainda assim não encontrava respostas.

— O senhor sabe quem é esse rapaz com ela? — questionei, já que ficou em silêncio. Tentei conter a curiosidade, afinal, quanto menos soubesse, melhor, mas se era para proteger Dulce Maria, eu deveria buscar os fatos em totalidade.

Delegado Herrera soltou um longo suspiro, em seguida abriu um meio sorriso.

— Ele é estudante de Direito na Universidade de Paraíso. Um filhinho de papai que só arranja confusão e ex- namorado da filha do prefeito. — Delegado Herrera mudou a expressão para o descontentamento, e fiquei me perguntando o motivo. Certamente já teve trabalho com esse rapaz. A chegada do campus na cidade trouxe avanços e modernidade, mas também trouxera problemas sobretudo entre os jovens. — Um idiota.

Aquiesci, movendo a cabeça lentamente. Não deixei de pensar no Toninho, que cursava o primeiro semestre de Teologia, e na forma como saiu da igreja. O meu coração estava apertado e entristecido, carregado de culpa e muitas emoções misturadas. Eu precisava conversar com ele, mas de nada adiantaria naquele momento. Sua raiva precisava passar, acalmar um pouco.

— Ela é professora e coordenadora na Universidade.

— Quando aquelas palavras saíram da boca do delegado, meus olhos arregalaram e quase perdi o fôlego. Um estudante e uma professora? Meu santíssimo. Um segundo depois, considerei a mim mesmo um grande hipócrita e percebi o quanto era fácil julgar os outros. — Mônica Teixeira. Irmã mais nova do prefeito. Ela é discreta, não participa muito do mundo político. — O homem olhou para a fotografia. — Nem tão discreta assim, pelo visto.

O meu assombro se intensificou consideravelmente. A irmã do prefeito se relacionando com o ex-namorado da sobrinha? Parecia coisa de novela das nove. Sem contar que eu sabia muito bem que a esposa do político dormia com o vizinho. Aquela família era mesmo muito esquisita, no mínimo, e era óbvio que estavam envolvidos na morte de Paco. Tanta traição num só lugar não poderia dar em nada bom.

A sombra do pecadoOnde histórias criam vida. Descubra agora