Capítulo 2

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Eu amava as palavras. Ler e escrever eram hobbies para mim. Isso, somado ao fato de que eu era bem comunicativa e curiosa, fizeram do jornalismo a minha principal escolha. Eu sonhava em me tornar uma grande jornalista, além de uma grande escritora, é claro. Contudo, a matemática sempre foi um pesadelo para mim. Nem sei como eu conseguia controlar as contas que devia pagar. A minha falta de habilidade em exatas somada à falta de descuido levaram meus pais a ficarem preocupados com – literalmente – o meu baixo custo de vida.

- Analu – Meus pais eram os únicos que me chamavam pelo nome de batismo. A maioria me chamava de Ana desde que eu era pequena. – Nós estamos preocupados com a sua saúde. Você quase não faz compras no supermercado e não janta fora. Pelo amor de Deus, não me diga que você está ficando anoréxica!

Essa era a grande preocupação da minha mãe. Eu achava razoável que ela se preocupasse depois de acompanhar uma prima minha – e sobrinha dela – quase morrer de anorexia. Contudo, se eu deixasse de comer uma refeição ela já me examinava e perguntava se eu estava me alimentando "de verdade", como ela dizia. Ela era uma mãe extremista e muito protetora e isso, na maioria das vezes, me irritava.

Mas dessa vez ela estava certa. Não com relação ao fato de que eu estava com anorexia, mas que eu estava me alimentando menos do que o normal. Era uma questão natural do meu organismo, quanto mais depressiva eu ficava, menos eu tinha fome. É claro que isso tinha consequência direta na quantidade de produtos alimentícios que eu comprava. Assim, como meus pais eram quem me bancavam, eles sempre conferiam no quê e quanto eu estava gastando mensalmente. Por isso, era apenas uma questão de tempo até que eu recebesse essa ligação.

- Eu estou bem, mãe – Menti. – Eu só dei uma reduzida nos gastos. Sem contar que eu andei saindo com um cara e ele pagava as contas do restaurante. – Menti novamente. Eu não saia com alguém já fazia um bom tempo. Eu nem ao menos me dava ao luxo de sair com meus amigos sábado à noite. Preferia ficar na solidão do meu apartamento com apenas a minha televisão ligada em um filme romântico qualquer.

- Sério, Analuzinha? – Falou meu pai pelo apelido que ele adorava usar quando estava com saudade de mim. – Você tem que trazê-lo aqui para casa e apresentar para toda à família.

Eu odiava quando meus pais colocavam o telefone no viva-voz, porque assim os dois opinavam e eu perdia a cabeça tentando entender o que eles estavam falando ao mesmo tempo.

- Não, pai. Não é nada sério, sem contar que eu parei de me encontrar com ele. – Aquela mentira começava a virar um bolo de neve.

- Coitadinha, filha. O que aconteceu? Ele não te fez nenhum mal, não é, Analu?! – Minha mãe e suas preocupações constantes. Às vezes eu achava que a mente dela era programada para sempre pensar o que de pior pode acontecer, assim ela estaria preparada para qualquer situação.

- Ele me traiu – Disse sem pensar e logo me arrependi do impacto que tais palavras poderiam causar. Sem contar o fato que a palavra traição me trazia memórias ruins do passado.

Os dois ficaram sem falar por um momento e logo meu pai tomou o discurso para si:

- Analu, você sabe o que isso significa, que ele não te merece. Não deixe isso te abalar, porque você é muito melhor do que ele. – Percebi que sua voz estava trêmula e emocionada. Parecia que ele dizia isso por simples obrigação, como se houvesse algo que ele gostaria de dizer a mais, mas que não tinha coragem.

Depois que eu menti que havia sido traída, minha mãe não pegou mais no telefone. Foi meu pai quem se despediu de mim e disse que me esperava nesse final de semana para que pudéssemos matar a saudade um do outro. Eu não via a hora de voltar para casa e acabar, pelo menos por dois dias, com a solidão que se alojava em mim como um parasita.

***

Meus pais haviam me ligado bem cedo, antes das minhas aulas começarem. Fiquei pronta bem rápido e logo já estava dentro do carro rumo à universidade.

Antes do primeiro horário começar, me encontrei com os meus amigos de sempre. Como ainda estava no primeiro ano do curso, não os conhecia tão bem a ponto de expor todos os meus problemas e segredos, mas confiava neles. Eles eram o mais perto de uma família que eu tinha aqui na capital.

Considerava Beatriz, uma garota de olhos esverdeados e cabelos castanhos com as pontinhas azuis, a minha melhor amiga e acho que o sentimento era recíproco. Uma vez até falara com ela da solidão que eu sentia, mas, meio que um pouco envergonhada, logo mudei de assunto. Ela se mostrou bastante preocupada e disse que iria até me arrumar uns amigos dela para uma noite de diversão.

Nada saiu como planejado. Um amigo dela apareceu para me acompanhar em uma ida ao cinema de casais – supostamente eu e esse cara, Lucas, e a Beatriz com o seu namorado Vinícius. Mas eu e ela descobrimos tarde demais que Lucas era gay e só tinha comparecido porque Beatriz havia insistido muito e prometido que seria apenas um encontro de amigos. Todo mundo ficou envergonhado e, logo que o filme terminou, eu fui embora.

Depois dessa tentativa fracassada de arranjar alguém, eu não pedi mais ajuda à Beatriz e ela não comentou mais sobre o assunto. Fingimos que nada havia acontecido.

No início do ano éramos seis calouros e amigos do mesmo curso. Mas no decorrer do tempo, Carlos começou a sair com a Vanessa e o Vítor com a Lídia. Como Beatriz já namorava quando estrou na universidade, eu me tornei a única solteira do grupo, o que apenas me deixava mais triste. Afinal, eles gostavam de fazer programas de casais e, por isso, eu quase nunca comparecia. Eu não gostava – e acredito que ninguém goste – de segurar vela. Então eu ficava em casa nas noites de sexta e sábado com os meus filmes "água com açúcar". Comia um miojo e ia para a cama, esperando que meu sono fosse eterno.

***

As aulas passaram rápido e logo eu estava almoçando com Beatriz em um restaurante perto da faculdade. Vinícius fazia medicina em uma faculdade longe da nossa e, como seu curso era integral, ele quase nunca podia almoçar com Beatriz. Era um tempo que nós duas tínhamos para conversar, botar as novidades em dia.

- Você vai viajar esse final de semana para Jataí? – Ela perguntou, se referindo a minha viagem curta para a minha cidade natal.

- Sim. Já tem mais de um mês que eu não vejo meus pais e meus avós. Estou com muitas saudades.

Ela concordou com um movimento de cabeça. Beatriz não sabia o que era dormir em uma casa sem ninguém todos os dias, pois ela ainda vivia na casa dos pais. Mas acho que ela imaginava o quanto devia ser difícil, ainda mais para alguém carente como eu.

- Você vai viajar sexta ou sábado de manhã?

- Eu estava pensando em viajar sexta, porque assim eu posso aproveitar mais. Mas porque essa súbita curiosidade?

- É que eu achei que você poderia gostar de ir em uma festa... nessa sexta. O irmão do Vinícius vai dar uma festa de aniversário e eu tenho um convite extra. Eu queria que você fosse comigo. – Ela faz uma cara de cachorro pidão que eu sempre caio, algo que ela sabe bem. – Você pode viajar sábado de manhã. A gente nem precisa ficar até tarde na festa. Mas eu não quero ir sozinha, porque o Vinícius vai estar entretido conversando e atendendo os convidados e eu não quero ficar de escanteio. Por favor, Ana! – Ela diz, apertando minhas mãos em uma tentativa de me convencer.

Eu não estava a fim de ir em uma festa. Muito menos sexta à noite, em que eu planejava sair de viagem. Mas para que serve os amigos? Eu acabei concordando com a ideia.

- Tudo bem, Beatriz – Ela começou a dar gritinhos e eu gesticulei para ela parar. – Mas nós temos que voltar antes das duas, porque eu vou pegar a estrada de manhãzinha.

Ela concordou com as minhas condições toda feliz. Parecia uma criança que tinha acabado de ganhar uma barra de chocolate. Até comecei a rir com toda a situação.

Talvez eu até pudesse me divertir, pensei.

Corações AflitosOnde histórias criam vida. Descubra agora