Capítulo 7

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Um mês havia se passado desde que eu e Beatriz havíamos viajado para Jataí. Depois daquele encontro com Malu, Bia e eu ficamos na minha casa até a hora de ir embora de volta para Goiânia, o que me deu mais algum tempo extra com os meus pais.

Depois de todo esse mês repensando sobre tudo o que havia acontecido – tanto o encontro com Malu, quanto toda a história da traição – percebi que eu tinha que fazer alguma coisa para acabar com essa tristeza e solidão que me afligiam. Ainda não estava preparada para um relacionamento, mas era hora de tomar alguma providência.

Pensando nisso, decidi conversar com Beatriz sobre tudo isso. Ela era a única com quem eu cogitava a possibilidade de me abrir totalmente. Meus pais não seriam uma opção adequada, porque, como minha mãe era superprotetora, eles logo iriam dar um chilique e me obrigar a voltar para Jataí. E, por mais que eu quisesse voltar para a minha cidade natal, esses eram problemas que eu queria enfrentar sozinha.

Marquei de me encontrar com Bia em uma lanchonete perto da faculdade e disse logo quando a vi:

- Eu tenho um assunto sério para falar com você. Na verdade, é mais um desabafo do que uma conversa de verdade.

Contei tudo para ela. Desde a traição até a minha carência e solidão excessivas, como aquilo tudo influenciava na minha falta de confiança com as pessoas e que, por isso, era raro eu me envolver em um relacionamento verdadeiro.

Ela me disse que o melhor a se fazer era eu me consultar com um psicólogo, o único que poderia realmente me ajudar. Fiquei com um pouco de receio quando ouvi a ideia, mas um ou dois dias depois, percebi que poderia ser algo útil. Assim, decidi marcar uma consulta.

Inventei uma desculpa para a minha mãe, escondendo os verdadeiros motivos de eu ir à clínica, e escolhi um profissional bom, mas que estivesse dentro do plano de saúde; não queria causar mais gastos para os meus pais.

Já estava na sala de espera do consultório aguardando meu nome ser chamado. O recinto era confortável: paredes brancas, duas plantas pequenas como decoração, cadeiras confortáveis e a mesa da secretária. Tudo dentro da normalidade.

- Analu Freitas – A secretária chamou. Ela abriu a porta do consultório e eu entrei.

A consulta foi mais rápida do que eu havia imaginado. Acho que, por ser a primeira, não foi de grande ajuda a hora que eu passei conversando com o psicólogo. Por fim, acabei apenas contando a ele os meus problemas de carência extrema que haviam aflorado desde a adolescência. Ele só ficou me ouvindo e anotando alguns fatos que achava pertinente. O Dr. Rafael – como se chamava – falou poucas vezes e, na maior parte do tempo, fiquei o encarando. Ele me lembrava alguém.

Aqueles olhos... eu os conhecia de algum lugar.

***

Na outra semana, eu estava de volta ao consultório para a minha segunda consulta. Eu era a próxima a ser chamada e, para passar o tempo, decidi pegar uma revista "Caras" disponível – cujo único objetivo de ser encontrada em quase qualquer consultório do país é fazer você esquecer que já está esperando há duas horas uma consulta marcada há dias.

- A que horas será a última consulta dele? – Aquela voz era familiar, pensei e olhei em direção a mesa da secretária.

Luís. Lá estava ele, para o meu espanto, conversando com a secretária, enquanto eu procurava algum lugar para me esconder. Coloquei a revista tampando o meu rosto, mas de um jeito que dava para dar uma olhadinha básica no seu porte físico atlético.

Eu agindo como uma louca, meu vômito no sapato dele, tudo veio como flashes contínuos na minha mente. Meu Deus! Eu queria fugir dali. Acalme-se, Analu! Tudo bem, pensei, ele não me reconheceria, provavelmente já havia se esquecido do meu rosto. Mas como "prevenção", deixei bem colocada aquela revista na minha cara.

- Analu Freitas – A secretária disse.

No mesmo instante, Luís olhou para a minha direção. Meu esconderijo na revista tinha sido um fracasso. Fui obrigada a entrar no consultório enquanto seu olhar incendiava minha pele. Parecia que ele se lembrava sim de quem eu era. Mas meu poder de resistência – e a vergonha imensa – me fizeram não olhar para o seu rosto por nem um segundo.

A consulta foi um fracasso total, porque não conseguia concentrar em quase nada, apenas me lembrando da outra noite na festa. Fiquei balbuciando coisas da minha vida que nem me importavam, o psicólogo passou um teste esquisito para mim e logo eu estava saindo do consultório, torcendo ao máximo para que Luís já estivesse ido embora.

Fiquei torcendo em vão, é claro. Ele era o único sentado na sala de espera. Não tinha como ignorá-lo, uma vez que eu estava na frente dele e seus olhos negros me encaravam diretamente.

- Oi – Ele disse. – Achei que nunca mais iria vê-la. – Eu não sabia se aquela frase significava algo bom ou ruim.

- Oi – Eu disse timidamente. – Eu também achei que nunca mais iria vê-lo. - Dei uma risadinha envergonhada. - Olha, eu queria me desculpar pelo... pelo meu comportamento e pelos seus sapatos.

- Meus sapatos?

- Sim. Quero dizer, eu... eu vomitei neles e....

- Não precisa se preocupar. Eram sapatos que eu já queria descartar há muito tempo mesmo. Você só meu deu uma razão para eu fazer isso.

- Ah! É... que bom então. Bom, eu tenho que ir para preparar a janta. Eu já vou indo. Tchau!

- Espera – Ele se levantou e segurou meu braço, em um pedido para que eu parasse de andar. – Eu também já estou de saída. Você não gostaria de jantar comigo?

Eu me virei e encarei seus olhos mais negros que o ébano mais escuro.

Corações AflitosOnde histórias criam vida. Descubra agora