Capítulo 40

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Eu não queria pensar sobre o que Beatriz havia me dito. Não queria sentir pena nem por um segundo de Luís. Não queria nem pensar no nome dele. Decidi tomar um banho gelado para me refrescar e esquecer tudo o que havia ouvido. Mas é claro que não funcionou.

Para piorar, meus pais disseram que queriam conversar sobre algo importante comigo depois do jantar. Nós comemos calados, ouvia-se apenas o barulho das árvores se movimentando por causa da ventania. É. Provavelmente, pelo silêncio deles, meus pais queriam conversar sobre algo sério comigo.

Eu já ia levantando da mesa e levando meu prato para pia para lavá-lo quando minha mãe segurou meu braço.

- Não precisa, Analu. Deixa isso aí, depois eu lavo tudo. Agora só se sente na cadeira, quero falar sobre o que aconteceu em Goiânia. – Seus olhos me encaravam já pedindo um "por favor" silencioso.

- Ok. – Sentei na cadeira.

- Eu... Eu não sei o que te dizer, filha. Não acho que um "me desculpe" vai fazer muita diferença, mas mesmo assim eu peço perdão. Perdão pelo que você viu, pelo que sentiu, por... toda aquela bagunça.

Alguns segundos se passaram antes de eu falar alguma coisa. Meu pai parecia apenas um espectador daquela cena.

- A única coisa que eu quero é uma explicação, mãe. Eu não vou mentir, estou muito magoada por você ter escondido tantas coisas assim de mim, mas eu prometo que tentarei te perdoar se você contar toda a verdade para mim agora.

- Eu já... já te disse toda a verdade. – Ela disse, tentando me olhar nos olhos para provar que dizia a verdade, mas eu já havia visto muitos seriados para apreender que muitos mentirosos usavam exatamente essa mesma tática de mentira.

- Sei... Eu vou lá para o meu quarto, acho que isso aqui não vai dar em nada.

Nem meu pai nem minha mãe se opuseram. Aquela conversa só havia me dado mais força e mais vontade de conseguir a real verdade. E meus pais, pela expressão em seus rostos, demonstravam que não estavam nada satisfeitos com a minha desconfiança.

***

Eu não conseguia dormir de jeito nenhum. Quando, pela milésima vez eu liguei a tela do meu celular e vi que já eram quase três da manhã, decidi me levantar. Desci as escadas na ponta do pé e fui até a mesinha da sala, onde meu pai às vezes deixava seu celular. Mas é claro que não estava lá. Eu já estava voltando frustrada para o meu quarto quando decidi ir à cozinha pegar um copo de água e – bum – me deparei com o celular na mesa da cozinha. Não pensei duas vezes antes de ligar o celular e já ir fuçando nas ligações, mensagens, What'sApp...

O que me chamou a atenção foram as diversas chamadas feitas para um tal de Delegado Jonas. Fora isso, nenhuma mensagem parecia suspeita, o What's'App tinha poucos contatos e todos eu conhecia. Por fim, eu decorei o número do delegado, deixei o celular na mesa e subi correndo silenciosamente as escadas até chegar no meu quarto e anotar o celular do camarada. Fiz uma torcida mental para que aquilo fosse uma pista real e deitei na cama de novo com uma esperança vazia de conseguir dormir pelo menos um pouco.

***

- Bom dia, o delegado Jonas está?

Eu estava em uma delegacia da cidade. Depois de novamente não conseguir dormir, eu decidi procurar pelo tal delegado Jonas na internet. Ainda bem que eu o encontrei, junto com o endereço da delegacia onde ele trabalhava.

- Ele deve chegar daqui uns vinte minutos mais ou menos – Uma mulher ruiva, aproximadamente quarenta anos e um batom vermelho esquisito, me informou. – Se você quiser, você pode se sentar em uma dessas cadeiras e esperar.

O delegado Jonas chegou cerca de meia hora depois. Ele era alto, careca e tinha uma cara de alguém que desconfiava até da própria sombra. Depois de mais um tempo esperando e implorando para a mulher ruiva, consegui chegar ao escritório do delegado. E agora que eu estava sentada na frente dele, eu percebi que eu não tinha a menor noção do que eu iria e queria perguntar.

- Então, senhorita...

- Analu - Eu disse.

- ...Analu.  O que te levou até aqui? Alguma situação em particular? - O delegado apoiou os cotovelos na mesa, segurou as duas mãos e fez uma cara de quem estava disposto a ouvir tudo o que eu tinha a dizer.

- Não é sobre nenhum crime, senhor... ou pelo menos eu espero que não seja... Enfim, eu não sei exatamente o que perguntar, só sei que eu tenho muitas perguntas e nenhuma resposta... Para ser mais exata, eu sei que os meus pais estão escondendo algo de mim. Algo importante. E, por acaso, eu encontrei o seu número várias vezes no celular do meu pai e eu achei que você pudesse esclarecer a situação para mim.

Ele franziu os olhos.

- Eu suponho que o seu pai seja o Mauro.

- Sim... Como o senhor sabe?

- Seu nome é incomum, Analu. Não existem muitos pais de Analus que eu converse, achei que era você mesmo quando disse o seu nome. Mas o que você quer saber?

- Ann... Qualquer coisa... Sobre o que vocês conversam? Tem alguma coisa a ver comigo? Eu estou em perigo?

- São muitas perguntas. - Ele riu um pouco, o que descontraiu o clima de tensão e nervosismo em que eu me encontrava - Eu não posso te responder todas, mas posso dizer que seus pais não querem que você saiba tudo o que está acontecendo por um motivo. Eles só querem te proteger, Analu.

- Só me diga se eu estou em perigo, então - Ele olhou no fundo do meus olhos. Eu quase podia ver os seus pensamentos, sua indecisão em me contar ou não. - Por favor. 

- Você não está em perigo - Seu rosto parecia ter certeza do que ele afirmava, mas seus olhos... Seus olhos desviaram do meu rosto no momento em que ele começou a falar. - Eu nunca fui a favor de segredos. Eu disse aos seus pais que o melhor era contar a você, mas eu não posso interferir nos assuntos pessoais e familiares das vítimas. - Tentei não dar muita imporância quando ele disse vítima. - O que eu posso dizer é que você já sabe de tudo, só que as informações estão escondidas no seu cérebro.

- O que você quer dizer? 

- Você passou por um trauma muito grande, Analu. E a sua mente escondeu toda a verdade de você mesma. Eu estou te dizendo isso porque acredito que tudo isso deva atrapalhar sua vida pessoal e acho até que você deveria consultar um psicólogo para conseguir acabar com todos esses seus medos escondidos de uma vez por todas.

- Medos... Como assim medos?

- Você não se sente insegura, carente, inferior? Tudo isso são sentimentos guardados dentro de você. Eu já lidei com vários casos parecidos com o seu e normalmente a melhora advém da terapia e da autodescoberta.

- Eu não sei exatamente o que o senhor quer dizer, delegado Jonas. Você quer dizer que eu sofri um trauma quando era menor? Tipo... tipo um sequestro, estrupro, assalto? Algo assim?

Ele não disse nada por um momento. O delegado me encarou, como se estivesse mandando uma mensagem através dos olhos. Eu percebi que ele não iria dizer mais nada com as palavras, ele não podia.

- Acho que você deve ir ao psicólogo. Ele vai ser de muito mais ajuda do que eu. Eu te recomendo esse daqui. - Ele me entregou um cartãozinho. - Agora, se você não se importa, eu tenho outro compromisso...

- Claro. An, obrigada pela atenção. Tchau! 

Depois de me despedir, fui embora sem olhar para trás. Nada fazia sentido mais. Nada.



Corações AflitosOnde histórias criam vida. Descubra agora