Capítulo 5

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Quando chegamos em Jataí, fui guiando Beatriz pelas ruas até chegarmos a uma casa de paredes amarelas, com um quintal enorme e um jardim muito bem cuidado. Meu lar. Eu estava em casa, finalmente!

Minha mãe gostava muito de roseiras e, por isso, a frente da casa era composta por uma variedade de rosas de todas as cores. Tinha também alguns pinheiros que ela gostava de decorar na época do Natal, sem contar as outras plantas que emanavam vitalidade. Tudo cuidado pela minha mãe, que adorava jardinagem.

Não demorou mais de dez segundos para meus pais abrirem a porta depois que eu toquei a campainha. Eles logo me abraçaram e minha mãe até derramou uma ou duas lágrimas.

Ela, minha mãe, usava o mesmo estilo de roupa de sempre: vestido longo floral, rasteirinha e o cabelo castanho encaracolado que caia gentilmente sobre o seu rosto, dando mais vida aos seus olhos castanhos escuros. Já o meu pai usava uma bermuda jeans e uma camiseta lisa azul. Sua calvície já era bem evidente e os seus olhos azuis claros eram a característica mais marcante que eu tinha puxado dele.

- Que bom que vocês chegaram agora – Meu pai falou. – O almoço acabou de ficar pronto. – Ele olhou para a Beatriz pela primeira vez, acho que esqueceu da presença dela no calor do momento – Analuzinha, você não nos disse o nome da sua amiga.

- Ah! É mesmo. Essa é a Beatriz. Bia, esses são meus pais, Mauro e Irlene. Bom, agora que já estão todos apresentados, devo dizer que estou morrendo de fome. Que tal nós comermos agora e depois pormos o papo em dia? – Eu já podia sentir o cheiro da melhor galinhada do mundo e o meu estômago começava a reclamar com a falta de comida.

Corri para a cozinha e o cheiro estava contagiosamente maravilhoso. Alguém também tinha preparado uma torta de limão, minha preferida. Estava começando a ficar com o pressentimento de que ganharia uns quilinhos a mais nesses dois dias.

Já sentados na mesa que ficava no quintal – meus pais adoravam almoçar lá, o assunto que achamos foi o curso de jornalismo. Eu e a Bia contamos sobre tudo que andava acontecendo na faculdade. Enquanto isso, meu estômago se esbaldava com a comida que entrava. Não era para menos, eu não comia bem havia dias.

Não comentamos sobre a festa do dia anterior. Falamos sobre o nosso último trabalho que exigia uma apresentação para todos do curso e, como ele era muito tímido, Carlos, nosso amigo, começou a gaguejar e acabou babando na frente de todos. Ele ficou tão vermelho que parecia que ia explodir, coitado. Falamos também sobre a nossa professora estranha que amava ficar recitando frases aleatórias famosas sem nenhum contexto; sem contar o fato de que ela usava óculos tão grandes que escondiam metade do seu rosto. Falamos sobre tudo. E rimos de tudo também.

Beatriz, depois do almoço e da sobremesa, me disse que estava muito cansada, porque não havia dormido quase nada. Afinal, ela havia acordado sete da manhã para arrumar a mala e sair correndo em um táxi direto para a minha casa. Ela, então, foi se deitar em uma rede amarela que ficava na varanda, perto da mesa de almoço do quintal. Eu, nesse meio tempo, fui assistir um filme que estava passando na TV com os meus pais.

Não prestei atenção no filme.

***

Fiquei pensando sobre a minha vida antiga, a minha vida naquela cidade pequena. Eu fui feliz. Eu tive uma infância maravilhosa. Foi na adolescência que os problemas começaram. Eu me sentia sozinha, mesmo cercada de amigos e parentes. Foi quando, aos dezesseis anos, no auge das minhas crises existenciais, eu conheci o Pedro. Ele fazia espanhol comigo e viramos amigos quase que imediatamente. Algumas semanas depois, ele me pediu em namoro e eu aceitei. Eu me apaixonei por ele e, como em um passe de mágica, a minha vida ficou mais brilhante, mais bonita. A solidão havia desaparecido. Eu estava radiante.

Contudo, ano passado, quando já estava pensando no vestibular e na faculdade em que eu gostaria de entrar, nosso relacionamento começou a desabar. Pedro não conseguia aceitar a ideia de que eu iria ter que me mudar para outra cidade e que ele iria ficar aqui – ele havia decidido fazer medicina veterinária na universidade federal em Jataí mesmo.

Depois de várias brigas, ele, do nada, decidiu que eu estava certa, que eu deveria escolher meu futuro da maneira que eu achasse melhor mesmo. Pedro começou a ficar mais paciente, bondoso e me dava presentes a todo momento. Eu estava realmente agradecida pelo fato de que ele havia entendido toda a situação. Afinal, a UFG de Jataí não oferecia o curso de Jornalismo.

Uma semana antes de eu me mudar definitivamente para Goiânia, eu decidi fazer uma surpresa para ele. Iria até a sua casa para que pudéssemos ir no restaurante onde tivemos o nosso primeiro encontro. Eu iria entregar depois do jantar um presente que havia feito com todo o carinho: um álbum de fotos que registrava nossos melhores momentos.

Ele morava em uma casa no centro da cidade e, como eu tinha a chave, eu decidi entrar e dizer "surpresa", como naqueles filmes românticos. Eu abri a porta e não tinha ninguém na sala. Seus pais deviam estar fora. Fui direto para o seu quarto.

Eu nunca, nem em meus maiores pesadelos, esperava encontrar o que eu vi.

Pedro e uma das minhas melhores amigas, Luana, estavam transando bem na minha frente. Eu estava sendo traída por duas pessoas que eu amava! Há quanto tempo Pedro me traía? Quem mais sabia disso tudo? Como eu era uma idiota! Como eu não percebi que tudo aquilo estava acontecendo?

Agora tudo fazia sentido. Pedro sendo bonzinho demais, Luana me evitando. Eu queria matar os dois, eu queria trucidá-los, eu queria arrancar suas cabeças e jogar no fogo. Mas eu não fiz nada disso.

- Bonito, em? Espero que vocês estejam aproveitando a noite. – Disse para eles e fui embora.

Depois disso, eu nunca mais falei com nenhum dos dois e percebi que a solidão que eu não sentia há um tempo havia voltado com força total. Fiquei ainda mais afundada na amargura quando percebi, depois de sair do apartamento que dividia com a folgada da Júlia, que eu estava sozinha em uma cidade gigantesca. É claro que eu tinha meus amigos, mas a solidão não conseguia sair de mim. Quero dizer, até o presente momento – com exceção de ontem e alguns raros momentos felizes – ela não havia dado sinal de que ia embora tão cedo.

Corações AflitosOnde histórias criam vida. Descubra agora