O fim pode ser um começo

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Então é assim que é morrer? 

A única coisa que vejo é um clarão embaçado de cor branca. Eu não consigo ver a luz nitidamente,  parece ter uma névoa nos meus olhos que me impede de ver claramente.

De repente vejo algo escurecer minha visão. Ouço vozes,  mas não consigo entender o que dizem. Sinto um toque no meu braço e um em  beijo minha testa.

- Mãe?  - pergunto-me.

Acho que estou no hospital, em uma maca,  sendo carregada para alguma sala e enquanto  mamãe se despede de mim, entregando-me de mão beijada para a morte.

Mas talvez eu só esteja pensando nas cenas do seriado Grey's Anatomys.

Afinal nesse momento a única coisa que realmente sei é  que estou morrendo. 

- Ela está acordando - ouço uma enfermeira dizer.

- Graças  a Deus. - minha mãe diz.

- Filha! - papai fala com aquela voz de irmão urso protetor.

- Garota, eu vou matar você!  - Ana exclama fazendo um riso modesto se formar em meu rosto.

- Ela tem que descansar agora pessoal.  - a enfermeira volta a dizer.

- Descansar nada,  eu e ela precisamos conversar. - minha melhor amiga fala fazendo com que eu me arrependa de não ter morrido.

- Mas ela... 

- Tudo bem,  eu estou bem - digo interrompendo a enfermeira - ela pode ficar.

A mulher de jaleco olha para meus pais em busca de apoio,  mas minha mãe disse que Ana pode ficar. Os três nos deixam a só e eu respiro o mais forte que posso para aguentar os sermões de minha amiga.

- Garota,  ninguém se mata com seis comprimidos.  Você deveria ter ingerido uns 20,  sendo que eles deveriam estar vencidos. - ela diz deixando-me perplexa.

-  Eu fiz isso dentro da banheira para poder não respirar quando eu desmaiasse.

- Pessoas que querem se matar dentro do banheiro,  trancam a porta mocinha.  Você quer o que?  Ofuscar a morte da filha da Whitney Houstoun?
- Hãn?  - digo não entendendo o trocadilho.

- Ela tinha também  tentou se matar dentro da banheira,  não conseguiu é claro! Mas ficou em coma seis meses e faleceu hoje - ela respira e continua -  Graças a Deus você não entrou em coma,  só fizeram uma lavagem no seu interior e agora você está aí novinha em folha.

- Por quanto tempo eu dormi? 

- Algumas horas. Sua mãe te encontrou desacordada dentro do banheiro.  Sua cabeça não estava toda submersa e a água escorreu pelas escadas,  foi isso que chamou a atenção dela. Parece que você também deixou a torneira ligada - ela fala me fazendo  lembrar que talvez eu possa não ter fechado por completo a torneira quando enchi o copo com água para tomar os comprimidos - uma gama de erros,  realmente você não nasceu para ser suicida. Te deram um sossega Leão e você dormiu a noite inteira feito um anjo.

Ela vai até sua bolsa e pega o celular.

- E olha só o que aconteceu enquanto a bela adormecida dormia - endireito-me na cama,  Ana me entrega o celular,  meu corpo dói e perco a cor ao ver o resultado da votação para a rainha do baile - Isso mesmo mocinha! - ela continua - Você ultrapassou a Mônica e está na final. Eu falei que você seria a rainha do baile não falei?

- Eu estou de cama - suspiro ao entregar o celular - não vou poder ir.

- Você vai sim. O baile já é  amanhã a noite,  temos a tarde toda para ir a escola.

- Mas An....

- Mas nada,  garota! - ela me interrompe - A séculos você não pisa na escola e mesmo assim você ganhou a votação,  as pessoas precisam te ver para você ganhar mais votos. É tradição as duas finalistas entregarem os cartões de votação na escola,  um dia antes do baile. 

- Eu nem peguei os cartões Ana.

Ela vai até a bolsa é retira um pacote.

- Eu já cuidei de tudo Boreal.

Minha melhor amiga realmente não vai me deixar não ir ao baile. 

                               ¤ ♡ ¤

Entro no carro dos meus pais sem dizer nada. Como eu eles também permanecem em silêncio. O médico me dar alta na condição que de agora em diante eu tenho que ter algumas sessões com uma psicóloga.

No trajeto para casa,  noto que por muitas vezes mamãe quis falar,  mas o olhar repressivo de papai a impediu. E eu o agradeço por isso.

Não estou pronta para responder perguntas. Olho a paisagem pelo vidro do carro.  As árvores estão quase todas nuas,  jaja é inverno.  O baile é a festa de entrada para a estação, olho algumas pessoas andando de bicicleta e meu desejo era estar bem longe dessa cidade ...  bem longe para não ir a esse baile.

Chego em casa e vou direto para meu quarto,  o carpete que recobre as escadas ainda está molhando me fazendo lembrar de minha tentativa mal sucedida de suicídio.

O relógio em cima da cômoda marca meio dia e meia,  Ana quer que eu vá para a escola às duas horas. Me sinto fraca, mas minha amiga me leva para a escola nem que seja arrastada pelos cabelos. Vou até o espelho que fica na porta do guarda roupa. Estou mais pálida do costumo ser,  desse jeito eu serei a rainha do gelo,  não do baile.

Ouço um batido na porta e mamãe entra. Ela senta na cama e eu a olho de longe.

- Você tem algo para me dizer filha - ela diz.

Fico em silêncio sem saber o que dizer. Corro em sua direção e começo a chorar no seu colo. Ela passa as mãos no meu cabelo e sinto suas lágrimas caírem em meu rosto. Fico ainda mais triste por fazer meus pais chorarem,  não pensei neles quando tentei me matar. Não pensei nas pessoas que me amam,  só pensei na pessoa que eu amo. E percebo que isso tem sido o meu erro diário.

- Você é meu maior tesouro.  Você sabe quanto eu e o seu pai a amamos. Eu sei que você tem sofrido por ter terminado com o seu namorado,  mas isso não é motivos para se matar. Pense nos seus pais,  nos seus amigos. Você tem família e todos nós te amamos. - ela diz me fazendo chorar - Não há  sofrimento que dure para sempre,  alguém só sofre até o dia que quer. Lembre-se que só você tem o poder de romper com a tristeza e ser feliz. A felicidade da gente não depende de outra pessoa, só depende de nós mesmos.

Suas palavras me tocam profundamente e me fazem refletir. Só eu tenho o poder de sair dessa,  e tenho pessoas que se preocupam comigo. Acabar com minha vida me tornaria uma covarde por não lutar para ser feliz e mais ainda por fazer as pessoas que me amam sofrerem.

Sinto o seu beijo em minha testa. Ela levanta da cama e caminha em direção a saída do quarto. Antes de sair,  ela volta-se em minha direção e diz:

- O Cauã visitou você no hospital.

Antes que eu possa falar algo,  mamãe já não está mais na minha frente.

¤ ♡ ¤

DEPOIS QUE EU TERMINEI COM VOCÊOnde histórias criam vida. Descubra agora