Oito horas depois

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Oito horas depois

Vanessa me convidou para a sua festa da piscina, algo que ela fazia mensalmente quando seus pais estavam viajando a trabalho, e eu fiquei tentada ente o sim e o não.

Não sabia ao certo qual era o seu plano ou quanto eu iria pagar por tê-la rejeitado como o fiz, porém arrisquei-me; estava pronta para o que ela quisesse tentar jogar contra mim.

Cheguei a minha casa um pouco cansada, tive que passar duas horas a mais na escola fazendo as lições e trabalhos que foram passados nos dois dias que eu acabei perdendo por desleixo.

Meus pais não poderiam saber daquilo, o quanto menos soubessem, melhor.

Ouvi o barulho de uma broca, cheiro de queimado. Meu pai estava trabalhando.

Andei pela casa, larguei a mochila em meu quarto e fui em direção da sua oficina, lugar que eu normalmente evitava, pois não queria conversar muito com meu pai ou com minha mãe, mas agora eu só queria estar com eles.

Não queria mais me sentir sozinha.

O problema era que depois da morte de Will, Andrew não foi o mesmo, ninguém foi.

Eu comecei a beber, não parava em casa e me distanciei daqueles que me amavam com medo do amor, com medo do abandono.

Minha mãe se focou em sua vida social, dar entrevistas sobre o fato ocorrido, se afiliar ao clube local e começar a frequentar aulas de tênis, além do tempo que passava com suas amigas ou passeando pela cidade para vender as invenções de meu pai.

Já ele... ele não conseguia admitir que o seu filho não estava mais ali, trancou-se em sua oficina, isolou-se com seu trabalho e concentrou-se apenas nele, negando a si mesmo o tempo que tinha com a família.

Ele havia construído uma bolha tão forte e impenetrável ao seu redor que eu tinha meus receios se conseguiria algum dia rompê-la para recuperá-lo.

Cada um sofria a sua maneira, não poderia obrigá-lo a voltar ao normal do dia para a noite. Eu demorei seis meses, e ainda não estou bem. Minha mãe precisou de sete semanas. Pode ser que ele melhore daqui alguns anos.

Porventura não melhore.

Abri a porta observando a escuridão daquela oficina.

Acendi a luz e vi que ele estava trabalhando em algo que parecia ser uma televisão com mais botões do que o usual. Ela possuía metade da tela normal e a outra metade estava repleta de compartimentos e cores brilhantes.

Não entendi para o que servia, mas o gênio da casa era ele.

— Oi pai — disse apoiada no batente da porta esperando por sua resposta.

Não veio.

— Hoje eu voltei a conversar com a Jenny, o Gabriel e a Carrie, fui convidada para uma festa, posso ir? — perguntei tudo de uma vez, caso ele negasse, poderia argumentar e apelar para minha mãe.

— Claro — ele respondeu indiferente e eu sorri, até que percebi que ele não estava prestando atenção em mim, que ele respondeu automaticamente.

Aquilo me enfureceu. Ele não poderia me tratar como um nada, fingir que eu não estava ali sendo que o adulto no momento era ele! Ele tinha que ser forte por nós dois!

Era isso o que ele me disse; que ele seria forte por nós três, mas ele foi o primeiro a sucumbir.

— Eu estava pensando em entrar para o circo, abandonar a escola, viajar para o continente e tentar minha sorte como garota de programa — deixei minha voz neutra mesmo que a acidez de minhas palavras escapassem de meus caninos, respingando ao meu redor.

— Ótima ideia — ele murmurou, olhando da televisão para um desenho de papel em sua mão, começando a conectar alguns cabos finos e grossos.

— Eu só queria que você soubesse que vou repetir o ano, estou grávida de um pedreiro, vou para a praia com o Will já que há uma tempestade se aproximando e faz tempo que eu não tento me afogar — se ele não olhasse... eu iria embora.

“Imergi, não estava mais com forças para tentar domar o oceano e decidi que ele deveria fazer o que bem quisesse comigo, eu provavelmente merecia esta punição por ser tão inconsequente, remar tão fundo e achar que eu controlava a natureza.”

— Perfeito, divirtam-se.

Bati a porta quando saí e fui para a cozinha caçando um pacote de chocolate; a única coisa que eu sabia que jamais iria me decepcionar.

Mas o chocolate estava vencido.

Não poderia ficar pior.

Poderia.

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