Onze minutos depois
Eu estava ofegante e suando quando me aproximei.
Limpei minha testa com minha mão e senti os braços de um policial barrando a minha passagem mesmo que eu dissesse que morava ali.
Jason chegou pouco depois e ficou ao meu lado.
Avistei minha mãe do outro lado; ela mordia um lábio enquanto conversava com o policial e prestava o seu depoimento.
— Mãe? — berrei acenando a mão para que ela me visse, e ela viu, mas me ignorou.
Isso me magoou.
O que estava acontecendo?
Tentei passar pela barreira de policiais mais uma vez e eles me impediram, ficaram na minha frente e ameaçaram me prender dentro de um carro se eu não me controlasse.
Nada nunca acontecia naquela ilha e, de repente, um raio caiu duas vezes na mesma casa.
E se fosse o meu pai?
De novo eu iria perder alguém depois de venenosas palavras serem as últimas que trocamos. Eu não suportaria isso.
— Mãe! — berrei percebendo que Jason estava me arrastando para longe da barricada enquanto eu esperneava nos braços dele — o que está acontecendo?
Ela me olhou e apontou um dedo na minha direção pedindo para que eu esperasse. Fiz o que ela pediu e prendi minha respiração, desejando que o tempo parasse.
Ela agradeceu o policial e andou até mim percebendo as mãos de Jason em minha cintura; não olhou repreensiva ou preocupada, apenas mostrou que ela constatou o contato entre nós dois, porém não teceu um comentário.
Não me surpreenderia se ela entendesse errado.
— Invadiram a casa — ela disse arrumando seu cabelo por causa do tempo, olhou para cima e isso me deixou curiosa.
As nuvens de chuva estavam se aproximando e eu soltei o ar de meus pulmões, inspirando a essência da umidade. Estava acontecendo de novo.
— O que roubaram? — pensei em todas as peças que existiam valiosas, não eram muitas, poderia contá-las nos dedos de uma mão.
— Ainda não vi, mas apenas o seu quarto foi... atingido — ela não me olhou e eu soube que não estava me contando tudo, segurei sua mão e a apertei, ela me olhou e suspirou, frustrada — o problema é que havia alguém em seu quarto.
— Não — meneei a cabeça tentando retirar a imagem de minha mente, de todos os filmes de terror que um dia eu assisti com as luzes apagadas e as terríveis mortes que os acompanhavam — não diz.
Ela não me escutou, apertou forte a minha mão tentando passar segurança.
Eu senti apenas medo.
— Não diz que agora foi o papai — pedi percebendo que meus olhos não estavam se enchendo de lágrimas, assim como quando eu descobri a morte de William.
Eu só chorei quando não havia ninguém por perto para poder ver.
— Não, ele está bem — ela garantiu e eu sorri, relaxei — eles atacaram Bliss. Ela foi destruída.
Fiquem em silêncio.
Bliss?
Minha Bliss?
— Bliss? Bliss! Por que eles matariam um androide? Ela é inofensiva! Nunca fez mal a ninguém — uma mão imaginária segurou o meu peito e apertou meu coração.
— Eu não sei — murmurou impotente.
— Nós podemos consertá-la. Nós podemos recriar, montar os pedaços. Ela é um robô, podemos tentar restaurar, não pode ser tão difícil quanto construir... — não conseguia mais falar.
— Nós poderíamos, mas ela jamais seria a mesma. Destruíram Bliss, Elisabeth, não sei se você está entendendo. Cortaram seus circuitos, quebraram seus painéis... — ela poderia continuar, sei que iria, todavia, pelo jeito como me olhou, deve ter visto o meu sofrimento interno.
— Tudo vai ficar bem — Jason disse entre respirações.
Senti sua mão ainda contra meu corpo, em minha cintura, tão presente e tão marcante, quente e terna... não queria que ele me fizesse esquecer os meus problemas com um toque, um beijo. Não queria.
No entanto... verdade seja dita, eu queria. Queria mais do que tudo.
Queria mais do que eu queria álcool.
Como tudo o que eu amava poderia ser arrancado de mim e eu ainda sentir arrepios bons quando ele me tocava?
Meu irmão estava morto, minha babá de anos assassinada. Como eu poderia simplesmente ficar pensando em um garoto?
Agora, ao menos, eles não poderiam dizer que Bliss cometeu suicídio.
E ela não iria para o céu, não iria para o inferno. Ela não existiria mais.
Acabou.
Desprendi-me de Jason e saí correndo. Ouvi o primeiro trovão e, com ele, a chuva começou, molhando meu corpo enquanto eu procurava razão em meus pensamentos.
Conhecia o caminho que eu estava fazendo. Eu o conhecia tão bem que não me surpreendi por tê-lo escolhido entre tantas opções que eu poderia ter pensado.
Ouvi meus passos na rua. Meu celular vibrando.
Se Jason não tivesse me ligado naquela tarde, eu não teria abandonado Bliss e ela não estaria morta. A culpa era minha. Se eu não estivesse tão disposta a descobrir o que poderia sobre a morte de Will, ela poderia ainda estar viva.
Toquei a campainha encharcada, sentindo que a água era quente em contato com a minha pele.
— O que você está fazendo aqui? — Carrie perguntou abrindo a porta e me puxando antes que eu explicasse.
— Eu preciso ficar aqui por enquanto, tudo bem? — tremi com o ar condicionado ligado.
Ela fechou a porta e sorriu para mim, aquele sorriso que me fazia sentir bem-vinda a qualquer momento ou situação.
— Minha mãe acabou de fazer bolo de abóbora, até que ficou bom — a mãe dela era confeiteira, sempre inovando em sabores e coberturas.
Aquilo era um pecado de casa.
— Bliss morreu — eu sabia que era ridículo tratar um robô como pessoa, mas eu não sabia como me referir ao ocorrido, era como se eu estivesse vivendo a morte de William novamente.
— Oh, Elisabeth — ela me abraçou mesmo que eu estivesse molhada, estava na ponta do pé — também tem chá na cozinha. Eu acho que preciso praticar melhor o piano, Jenny vai vir mais tarde com Kyrie.
Ela me soltou.
— Kyrie? — nunca tinha ouvido aquele nome antes.
— Ainda estamos procurando um nome para o animal, é uma gatinha que ela encontrou abandonada na rua há algumas semanas e começou a cuidar — ela começou a andar como se estivesse pensando no assunto — eu gosto do nome Snow, me lembra neve, sorvete, frio. Eu gosto de frio.
— Eu também — senti falta de Carrie, da maneira como ela conseguia lidar com os meus problemas.
— Enfim, acho melhor irmos antes que a minha mãe comece a falar que é o horário de praticar e eu tenha que sentar naquela monstruosidade e ficar praticando o básico.
— Ainda não saiu do básico? — não queria ser mal-educada, porém ela sempre parecia treinar a mesma coisa.
— Ficou louca? Se eu melhorar ela vai me colocar em uma aula avançada para órgão. Que tipo de garota de dezessete anos toca órgão? — seu olhar estava assombrado com a ideia e eu ri.
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Estilhaços
أدب المراهقينPor que você precisa do amor? Você não precisa. Por que você sente saudade? Você não sente. Como seguir em frente? Você não segue. Elisabeth Marshall viu seu mundo despedaçar com a morte de seu irmão, Will. Cada. Pequeno. Estilhaço. Desapareceu bem...