Dois dias depois
- Que bom que você veio - comentei arrumando meu cabelo, já que o vento o desarrumava.
Eu havia me esquecido dos ventos do penhasco, da maneira como a sua pedra era escorregadia, e de como o mar e o céu pareciam se encontrar no horizonte. Meus olhos não foram feitos para tal paisagem.
"Fechei meus olhos tentando parar de encarar o oceano e me perguntar se aquela era a última vista que eu teria. Se o nascer do sol era mais bonito, se havia algo além daquela imensidão de azul que eu conseguiria enxergar caso pulasse."
Cheguei um pouco antes do que Vanessa para admirar o lugar e ver como ele não havia mudado.
Quase sorri.
Quase.
- Claro que eu vim, atualmente você é a única pessoa na escola inteira que está falando comigo - ela deu um sorriso nervoso e culpado - e eu não estou pronta para ser ignorada mais uma vez.
Deveria ser algo muito ruim dentro da mente de alguém esta situação: uma hora ser o sonho de consumo de todas as pessoas e outra hora estar na base da cadeia alimentar daquele hostil hábitat.
- Eu só queria pedir um favor - comecei falando querendo me livrar o mais rápido possível de Scott.
O celular da garota tocou e ela ignorou a ligação, seus lábios ficaram pálidos, as bochechas sem cor, olhos esbugalhados e ela parecia ter visto um fantasma.
Suas mãos tremiam.
- Qual favor?
Não perguntei da ligação e ela não se pré-dispôs a falar sobre o assunto.
- Eu queria que você me entregasse o celular de Scott - pedi estendendo minha mão tentando usar um sorriso confiante e amigável.
- Por quê? - olhos desconfiados analisavam a minha face, seus braços se cruzaram e ela estalou a língua contra o céu da boca.
- Eu preciso disso para conseguir o gato da minha amiga de volta - não havia motivos para mentir sobre isso.
Vanessa riu e retirou algo de sua bolsa. O celular de Scott, o aparelho que ele gostava mais do que da própria mãe, talvez mais do que dele mesmo.
- Você sabe por que ele quer o celular de volta? - a pergunta inocente de Vanessa tinha um toque de dúvida e eu demorei a responder, deveria ser óbvia a minha resposta, mas não era.
- Não - neguei com a cabeça joguei meus cabelos para trás.
Mesmo dentro do mirante, que ficava a alguns metros do penhasco, ainda consegui sentir a brisa do oceano chamando por mim.
Nós nos sentamos.
- Você é muito boa para todo mundo - concluiu Vanessa brincando com o celular dele em mãos - eu não acho que você saiba o que está fazendo, e eu não sei se...
- Se o que? - indaguei me inclinando mais para frente.
- A vida é difícil de ser entendida - disse como se fosse a resposta universal para minhas perguntas - você está mexendo com algo que não conhece e isso é perigoso, a maior parte das pessoas se perde em problemas deste jeito.
O celular dela tocou e ela o deixou tocando dentro da bolsa, ignorando por completo a sua existência.
- Não estou gostando muito da maneira que você está falando - mordi meu lábio inferior, balançava minha perna incessantemente.
- Nem eu, mas é a verdade. Eu não posso impedi-la de encontrar o que está procurando, só temo o momento que você finalmente encontrar este algo - ela enrolou uma pequena mexa de seu cabelo em um dedo - você vai saber o que está acontecendo, cedo ou tarde.
- Você não pode esclarecer um pouco para mim? - pedi já esperando a resposta negativa.
- Não, eu prefiro me afastar deste assunto, ficar o mais longe possível, é o melhor que eu consegui - ela suspirou e colocou o celular em minha mão - mas tem algo que você precisa saber.
Esperei na expectativa e no medo. Um sentimento paradoxo invadiu meu corpo e eu não sabia se isso era bom ou não. Sentia-me atordoada.
- Seu irmão não terminou com Melody por causa da gravidez ou por não merecê-la - ela fez uma careta e eu ri, agora compartilhávamos o desgosto pelo mesmo ser desprezível - ele terminou com ela por saber que ele não era o único suspeito... de ser o pai da criança.
"E mesmo assim você o traiu. E mesmo assim você..."
Melody traiu meu irmão.
Desgraçada.
Eu realmente poderia matá-la.
- Com quem? - não sabia por que aquilo me importava, mas eu precisava saber quem era a pessoa insensível que aceitou participar daquela mentira descarada.
- Só há uma pessoa nesta escola que faria isso - ela soltou o celular dele e eu o senti em minha palma, fechei meus dedos contra ele. Ela abriu a sua bolsa e pegou o seu celular olhando o visor - E a pessoa está me ligando neste exato momento...
Scott.
E a vida estava se tornando cada vez melhor.
- Vão querer alguma coisa? - o garçom idoso perguntou com um sorriso que provavelmente era uma dentadura.
- Não estou com fome - murmurei sentindo meu estômago brincar em uma montanha-russa dentro de meu corpo, enrolando-se, causando-me calafrios.
- Eu acho que vou pedir um bolo tradicional - Vanessa enrolou outra mecha de cabelo no dedo e logo se parou, estava sorrindo, aquele deveria ser uma nova mania sua - seu irmão disse que eu iria ficar mais bonita de cabelos curtos com luzes prateadas, eu só queria que ele pudesse me ver agora.
- Ele iria achar você linda, ele iria gostar de você - senti pena dela, durante meses ela gostou de uma pessoa que... eu não era a única que sofri com a morte dele - assim como ele gostava antes.
Os olhos dela se encheram de alegria e ela apertou minha outra mão com um sorriso que poderia iluminar a ilha inteira com o seu brilho.
- Você acha?
- Sim - assenti com a cabeça, era um desafio ser otimista quando todos os pensamentos de sua mente eram pessimistas, porém eu estava tentando por ela.
Eu queria que ela se sentisse feliz por todas as vezes que ela fez o meu irmão feliz.
Isso era algo que eu tinha que fazer por ela, era uma dívida que eu tinha que pagar. E eu iria.
- Posso dar um conselho? - ela perguntou em um cicio, silenciosamente, um segredo compartilhado apenas entre nós.
- Claro - respondi de prontidão.
- Fuja enquanto ainda há tempo, Ellie.
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Estilhaços
Teen FictionPor que você precisa do amor? Você não precisa. Por que você sente saudade? Você não sente. Como seguir em frente? Você não segue. Elisabeth Marshall viu seu mundo despedaçar com a morte de seu irmão, Will. Cada. Pequeno. Estilhaço. Desapareceu bem...