Sete horas depois

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Sete horas depois

Acordei no dia seguinte com Bliss abrindo a porta do quarto, carregando uma bandeja de comida com uma aspirina e água, assim como fez na época em que eu saia constantemente com Vanessa.

Bliss é um robô, um androide, então não pode dizer que estava decepcionada comigo ou com as minhas escolhas, entrou e saiu sem acordar Jason, que continuava a dormir em sono profundo.

Comecei a me mover e percebi que havia algo me parando, uma mão, era Jason.

O seu braço estava sobre o meu pescoço quase me sufocando e ele ocupava a maior parte da cama; pelo menos ele não chutava.

Eu estava sendo empurrada para fora de minha própria cama ainda tendo que sentir o cobertor ser arrancado de mim por ele estar com calor.

Homens são todos iguais.

Senti algo vibrando; deveria ser o celular de Jason que estava no bolso de sua calça, contudo não aparentava que a vibração o faria acordar.

“Olhei o meu celular, reconheci o número de William me ligando e ignorei. Deixei tocar até cair na caixa de mensagens, porém ele não deixou nenhuma, apenas desligou.”

Coloquei e retirei a minha mão com suavidade e delicadeza, para que ele não sentisse nada que o fizesse acordar assustado.

— Alô? — sussurrei ao perceber que era o telefone da casa dele, pois estava escrito na tela Gutcher, o nome de seu pai.

— Alô? Quem fala? — era a voz de uma mulher, talvez a sua madrasta.

Soube que a mãe dele o havia abandonado e desaparecido em um madrugada em uma embarcação que ia ao continente, o deixando apenas com o pai, algo extremamente incomum.

Ninguém deixava a ilha.

— Elisabeth... — eu respondi receosa.

— Elisabeth — ela sussurrou algo para alguém.

O telefone ficou em silêncio.

Esperei um pouco até ouvir uma batida, como se alguém o tivesse derrubado então:

— Elisabeth? — Gutcher berrou e eu afastei o celular de meu ouvido levantando-me com calma, apoiando o braço de Jason contra a cama enquanto eu me retirava da cama, ainda vestindo a blusa dele da noite anterior — o que você está fazendo com o meu filho?

Essa era uma grande pergunta para uma simples resposta.

Eu estava com medo, estava me sentindo sozinha, precisava de alguém comigo, queria ser egoísta, então pedi para que ele ficasse comigo, apenas isso. Eu queria companhia.

— Eu não estou... — não iria mentir para um pai preocupado, ele merecia a verdade mais do que qualquer um, assim ele poderia entender, afinal até mesmo ele foi ao funeral de Will no ano anterior — ontem, na festa, eu descobri algo ruim sobre William, muito ruim, e o seu filho disse que me traria para casa, mas eu ainda estava triste e não queria ficar sozinha, então pedi para ele ficar comigo.

— Então vocês estão... juntos? — a reprovação e desgosto em sua voz me machucaram um pouco, entretanto eram compreensíveis, ele odiava o meu pai.

— Não, não — olhei para o filho dele enquanto eu me sentava na cadeira de minha escrivaninha, afastei o celular e suspirei, um beijo não é nada, trouxe o celular para perto — somos amigos.

— Amigos? Assim como seu pai era meu amigo?

— Senhor Gutcher eu sei...

— Diga para ele que eu liguei, diga que ele só tinha que ter avisado — sua voz parecia cansada, quantas vezes ele não ligou para saber do paradeiro do seu único filho? — e eu sinto muito, pelo seu irmão, ele era um garoto bom.

— Obrigada, obrigada por ser tão compreensivo — sussurrei fragilmente com medo da minha voz quebrar se eu falasse um pouco mais alto.

— Quando Jason chegar em casa veremos o quão compreensivo eu sou. Enquanto para você... seja forte — então ele desligou.

Há meses minha mãe não me ligava ou tentava prever onde eu estaria de noite; ela havia desistido de mim, dizia que eu estava me tornando um caso perdido. E era verdade, eu havia me tornado um caso perdido.

Coloquei o celular na estante e fiquei encarando o garoto adormecido em meu quarto.

Peguei o pão e comecei a comer, estava faminta.

Pouco depois, Jason começou a se mexer, um pouco de cada vez, uma mão, um pé.

Fiquei na expectativa por ele acordar, entretanto preferi que ele não me visse encarando-o como a primeira coisa que ele visse quando acordasse, então peguei uma troca de roupas e fui tomar banho.

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