Duas horas depois

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Duas horas depois


Jason não me acompanhou em casa, ele ficou no cemitério com o meu terço e disse que precisava de um tempo sozinho.

Fiquei com ele em silêncio por uma hora até que minha mãe disse que era melhor irmos embora.

Beijei a sua testa e ele disse que me ligaria mais tarde, eu não estava acreditando muito em sua proposta, porém não neguei, apenas assenti.

Estávamos em casa quando eu percebi o primeiro sinal de que algo estava errado.

A porta da oficina de meu pai estava aberta.

O chão da casa estava riscado com algo que parecia ser feito de metal.

Havia um embrulho no sofá escrito o meu nome.

Sentei-me nele e o desembrulhei vendo que havia algo escondido por muito papel amassado, principalmente jornal, porém antes de tudo havia um cartão sujo de graxa.

Princesa,

Era a letra de meu pai.

Você é a pessoa mais corajosa que eu já conheci. Seu coração vale mais do que a vida de muitos homens e mesmo assim eu fui o pior pai que poderia existir.

Eu disse para você ser forte, disse para seguir em frente, disse que eu não conseguia mais encontrar o caminho para voltar a ser quem eu era porque eu não queria voltar.

Eu estava machucado, só não percebi que eu a estava machucando, não percebi que eu a estava conduzindo até o fundo do poço quando não consegui me reerguer.

Perdi um filho da noite para o dia por causa das drogas, por causa do penhasco.

Ano passado eu perdi você também por que eu não consegui dar o amor que você precisava. O amor que você merecia. Merece.

Não existem palavras que possam desfazer o ano que já passou. Ele foi embora. Eu perdi um ano importante de sua vida, o ano em que minha menininha se tornou uma mulher.

Eu só agradeço, dia e noite, noite e dia, por ter você em minha família, por saber que William teve uma irmã como você ao seu lado, nos melhores e piores momentos.

Você fez algo que eu jamais cogitaria em fazer. Você não só seguiu com a sua vida, mas também deu a volta por cima. Você superou todas as barreiras que a vida colocou em sua frente.

O amor move montanhas.

Seu amor, o amor que você sente pelo mundo ao seu redor, é a maior virtude que você encontrará neste mundo.

Nem todas as pessoas serão como você, entretanto isso já não é mais algo que seu velho e pobre pai poderá dar palpite. Você cresceu, decide por si só agora, contudo, se algum dia quiser, eu gostaria de poder reconquistar o pequeno espaço que você tinha em seu coração para mim.

Espero que goste do pequeno presente, o mimo de seu pai.

Eu amo você, amo tanto quanto amei seu irmão. Amo os dois igualmente. Sempre amarei.

Peço perdão pelo minuto em que deixei a desejar neste aspecto, pois, verdade seja dita, você é a minha maior e melhor virtude.

Apenas diga que eu não a perdi ainda.

Minha mão deixou a carta de lado, com cuidado, como uma telespectadora da grande descoberta do presente de meu pai depois de quase um ano sem nos falarmos mesmo morando debaixo do mesmo teto.

Como eu já disse, não foi uma das minhas melhores épocas.

Era gelado. Retirei o papel e jornal observando um pedaço de metal com uma identificação, um laço malfeito com uma pequena etiqueta escrito William.

Retirei-o da caixa e apertei o botão vermelho que estava a frente do seu painel.

Pequenos bracinhos e perninhas surgiram de dentro da lataria no robô, sua cabeça emergiu de uma placa de metal e a luz se acendeu em seus globos oculares mecânicos.

— Me-meu nome é Willi-lli-lliam — o robô falou, da mesma maneira que Bliss falava, com dificuldade, com péssimo áudio, porém eu não me importei.

— Oi William, meu nome é Elisabeth — murmurei segurando-o em meu colo como uma criança, temendo que eu o derrubasse e tudo tivesse acabado.

No painel em seu peitoral a luz ficou vermelha e surgiu um coração com um E inscrito nele.

— Ellie pode pe-perdoar o pa-pa-pai? — William perguntou, seu rosto se virou e eu acompanhei seu olhar até o lugar que um figura que há muito tempo eu não via surgiu em meu campo de visão.

— Você pode perdoar o seu pai? — sua voz mais grossa do que eu me recordava, cheia de carinho acumulado e culpa que o estava consumindo aos poucos.

— Sente aqui e venha me abraçar — eu ordenei apontando para o meu lado do sofá tentando conter minhas lágrimas — se quiser dizer que me ama novamente eu não vou me importar.

Ele o fez e eu senti aquele carinho paterno invadindo meu corpo como uma droga, deixando-me tranquila e feliz, completa.

— Eu te amo, filha — ele sussurrou para mim e eu senti um peso contra o outro lado do sofá, os braços de minha mãe nos envolveram.

— E se por um acaso você tentar se envolver mais uma vez em uma confusão de drogas internacionais para provar que o seu irmão não se matou, você estará de castigo mocinha — ela falou, tentou soar séria, mas eu sentia o sorriso dela contra minha bochecha.

Ela começou a tagarelar, falava mais do que nós dois e isso não me incomodava, ela dizia sobre o meu pai ter refeito a parceria com Gutcher depois de uma conversa madura e que os dois trabalharam nos últimos meses neste robô como um pedido de trégua.

E, além disso, até mesmo o padre aceitou rezar uma missa por William.

Eu também quis levar uma concha que eu encontrei na praia para a vidente da loja, porém ela estava fechada, então eu a deixei na porta. No dia seguinte a concha já não estava mais ali, em seu lugar havia um feijão.

Eu o plantei no jardim de casa, porém ele não floresceu.

Tudo bem, não era como se eu realmente esperasse me alimentar do broto que pudesse acabar nascendo.

Isso para mim era um recomeço, um processo demorado de remontar-me, caco por caco, estilhaço por estilhaço. Não estava sozinha, não era um quebra-cabeça solo, haviam tantas pessoas envolvidas que era difícil acreditar que um dia eu pensei que poderia cuidar de meus problemas sem considerar os outros dentro de minha vida.

O último ano foi um ano muito difícil para a família Marshall, porém superamos da maneira que conseguimos.

EstilhaçosOnde histórias criam vida. Descubra agora